TRANSCRIÇÃO - O MÉTODO Créditos de Abertura 00:25 Eduardo Coutinho: Você faz exatamente o que na vida? Eu não te conheço. Roberto – off: Eu sou professor de preservação ambiental e saúde. Meio ambiente e saúde. Eduardo Coutinho: Onde? Roberto – off: Na Bahia, na Universidade Federal da Bahia. Eduardo Coutinho: E porque na Bahia, você é baiano? Roberto – off: Não, sou carioca. Eduardo Coutinho: Você escolheu a Bahia? Roberto – off: Escolhi. Eduardo Coutinho: Isso deve dizer alguma coisa. Imagem: Roberto conversa com seus entrevistados. Roberto – locução: Como docente na área de saúde e meio ambiente, na Universidade Federal da Bahia, sempre busquei utilizar o audiovisual com fins educativos. Durante uma pesquisa de pós-doutorado na Alemanha e no Brasil, entrevistei dez documentaristas brasileiros e alemães, cujos filmes, eu acreditava, refletiam essa temática. Eduardo Coutinho: Mas o tema é meio ambiente. Roberto – off: Meio ambiente e saúde. Joachim Tschirner: Eu não entro nessa armadilha. Você sempre quer me amarrar com “documentário e o tema”. Roberto – off: Você não deve entrar, eu é que estou nessa armadilha. Joachim Tschirner: Eu sei! Roberto – off: É que esse projeto foi financiado para focar nessa temática. Joachim Tschirner: Eu sei, mas com isso eu não consigo contribuir. Eduardo Coutinho: Será que dá um filme? Joachim Tschirner: Documentário com o foco saúde e meio ambiente é infeliz. Roberto – off: Sim, é uma redução de minha parte... Joachim Tschirner: Sim. Roberto – off: ... desse universo, né? Joachim Tschirner: Sim. Roberto – off: Eu admito. Joachim Tschirner: Sim. Eduardo Coutinho: Esse é o dilema, e eu não sei como... E... Enfim, isso quando eu falo com as pessoas... Todas as correlativas ao meio ambiente são um pano de fundo pra uma situação social que eu tento singularizar, porque também não me interessa o geral do social, pra daí chegar no outro. Roberto conversa com Washington Novaes e abraça Luiz Eduardo Jorge Roberto – Locução: Felizmente o diálogo que estabeleci com os meus protagonistas foi muito além da ideia inicial. Cartão: Tempo Porto Alegre apresenta 02:23 – Título: O Método Eduardo Coutinho: Por que deve existir cinema no Brasil? Você pode dizer não. Segunda, por que eu devo dirigir filmes? É uma resposta duvidosa, você vai tentar e não sabe... A terceira, por que eu vou fazer esse filme e não outro? Depois, quando você faz o filme... Executa a montagem ou filma mesmo. Por que filma uma pessoa e não outra? Continuam os dilemas, né? Aí você vai montar o filme e entra outro dilema que é essencial pra mim... Por que vai ter música nesse filme ou não? Eu que não uso música... Que não seja a do lugar. Por que essa música e não outra? Por que eu coloco a câmera aqui e não ali? Então tem coisas que o cara vai dizer, não eu não sei explicar, mas eu sei sentir. Tudo bem, basta, você pensou. Washington Novaes: Como é que você vai ser interessante e compreensível sem ser chato, sem ser primário. Kerstin Stutterheim: Erwin Leiser disse uma vez: "A arte no documentário consiste em não poder ser mais percebida depois de pronto." Silvio Tendler: A primeira coisa que você tem que ter é uma grande preocupação em se comunicar com o público. Eduardo Thielen: Se você quer fazer um filme sobre os correios, faça um filme sobre uma carta. Bertram Verhaag: Quando faço filmes, quero fazer filmes sobre a vida, também, precisamente, sobre o que eu vivi. Valentin Turn: Eu penso que a primeira condição é também uma certa paixão, um certo fogo. Eu de alguma forma tenho que querer isso... e é mais do que só querer, você tem que “arder”. Inge Altemeier: Eu sempre gostei de contar histórias e eu sempre fui uma pessoa que agiu e pensou politicamente. Joachim Tschirner: Temas políticos seriam... sim, sem política o filme documentário é inimaginável para mim. Luiz Eduardo Jorge: A minha concepção de cinema documental é uma concepção de intervenção social. Washington Novaes: Então é preciso saber muito por que caminhos se vai, que é que se vai dizer, como se vai dizer, por que a sociedade vai ser tocada por essas coisas. Eduardo Coutinho: E eu espero nunca convencer ninguém de alguma coisa fazendo filmes. Inge Altemeier: Os critérios para fazer um filme, hum... Documentaristas pensam. Joachim Tschirner: Isso não dá para responder direito, é como com os instrumentos, a gente se pergunta por que alguém quer muito tocar triângulo? Enfim, e para mim o documentário foi o triângulo, eu queria isso e fiz. Inge Altemeier: E para mim é também assim, que eu sempre tenho o desejo de contar histórias que caso contrário não seriam contadas. Isso é um dos meus mais fortes motivos. Que me levam também sempre novamente a por o pé na estrada e atravessar desertos, florestas e regiões de montanhas pedregosas, olhar e conversar com muitas pessoas, pois eu quero dar voz às pessoas que de outra forma não a teriam. Mas que são a maioria da população mundial. Arquivo – Abgefackelt: Eles nos atacaram. Eles devastaram tudo. Shell é a culpada pela devastação. 07:02 Arquivo – Passageiros da Segunda Classe: Não tem um documento com ela, não? Documento nenhum. Nada. Que que é isso nessa.. Nessa... Só tem roupa. Luiz Eduardo Jorge: A convite de um psiquiatra que era o Fernando Siqueira... eu fui pro Adauto Botelho para fazer uma palestra lá sobre Antropologia Visual Urbana. Arquivo – Passageiros da Segunda Classe: Eu já vivi jogado no mundo, chorando pior que uma criança na mamadeira, chorando com... Luiz Eduardo Jorge: E nesse áudio visual o psiquiatra, que é o Fernando, identificou uma personagem que morava embaixo da ponte que era a Maria e ela era paciente dele. Ele me disse: “Luís Eduardo você é uma pessoa engajada, você faz um cinema engajado, você é uma pessoa que eu tenho assim... uma estima muito grande por você... e eu preciso de alguém como você no Adauto Botelho porque eu quero ver aquele hospital fechado e demolido.” Arquivo – Passageiros da Segunda Classe: Vem pra lá da invernada, vem pra lá da encruzilhada, vem pra lá da invernada... Dá pra mim ficar folgado, da pra mim ficar folgado. Luiz Eduardo Jorge: Então eu não tive como recuar. Arquivo - Jango: Na madrugada do dia 31, poucas horas depois de terminada a festa, as tropas do General Olímpio Mourão Filho, comandante da quarta região militar, já avançavam sobre a Guanabara. O levante vindo de Minas Gerais precipitava o Golpe. Tanques do exercito rolavam sobre a cidade sem encontrar resistência. A classe média exorcizou seus fantasmas incendiando o prédio da União Nacional dos Estudantes. Silvio Tendler: O Golpe de 64 começou a colocar em xeque a própria noção de justiça, de liberdade. Veio o movimento estudantil de 68. Eu entro na universidade em 69. Eu tô dentro de sala de aula um dia, pego um jornal pra ler... Cinco advogados de presos políticos foram presos. Arquivo – Advogados Contra a Ditadura: Quando eu voltei pro escritório não consegui, porque o escritório tinha sido arrombado. Eles tinham.. Eles tinham levado tudo. Levaram tudo. Minha agenda, tudo. Foi presa gente que não tinha nada a ver porque estava na minha agenda. Silvio Tendler: Eu falei, o que que eu tô fazendo aqui dentro dessa sala, onde os meus colegas mais velhos que estão advogando, são presos por advogar? Esse país não tem justiça, eu não tenho nada o que fazer com direito, e eu já queria fazer cinema. Levantei da aula, fui embora e não voltei nunca mais. Arquivo – Der Mensch an Sich: Munique, Waldtrudering. Dez idosos devem ser expulsos de suas próprias casas na rua Möwestrasse para dar lugar à construção de casas de luxo. Eles construíram as suas casas há mais de quarenta anos atrás em terrenos alugados, confiantes na promessa da locadora de que poderiam mais tarde comprar os terrenos em que construíram. Uma preferência de compra foi assegurada a eles por contrato. Mas de nada valeu. A locadora, ela mesma com 81 anos de idade, quer agora vender os terrenos para outras pessoas com novas construções. Bertram Verhaag: Eu trabalhei também durante dois anos no Planejamento Urbano de Munique como colaborador, fizemos estudos sobre a expulsão de pessoas de seus bairros tradicionais, pois as especulações começaram por aqui etc. E esses estudos, nos quais tínhamos trabalhado por muito tempo e que também achávamos muito bons, foram tratados na câmara municipal numa sessão secreta. E aí a minha decisão amadureceu, que não tenho vontade de trabalhar por dois anos para que esse estudo acabe de forma secreta numa gaveta qualquer. E, na verdade, foi aí que tomei a decisão de me candidatar para a faculdade de cinema. Arquivo – Der Mensch an Sich: Se eu tiver que sair... Não dá pra imaginar. ...depois de tantos anos, meu Deus... ...então eu sou sozinha, fico sozinha, eu não tenho mais ajuda alguma. O que resta é colocar uma corda no pescoço. Para desaparecer. Nada disso. Sim. Mas o que não se faz por desespero? No tribunal 20 de junho. Tribunal regional de Munique. No processo contra o casal Fischer, o Juiz Rosendorfer autoriza o despejo. O terreno tem que ser desocupado imediatamente. Arquivo - Casas são demolidas Bertram Verhaag: Infelizmente, no fim, venceram as grandes mansões, e as pessoas tiveram que sair. 12:28 Eduardo Coutinho: O acaso tem papel enorme na vida... Eu estava no Jornal do Brasil, tinha largado o cinema, fiquei três anos lá, e me chamaram pra TV Globo. Pro Globo Repórter. E no Globo Repórter era um lugar em que, eu nem sabia no começo, em que eu ia ter contato de novo com cinema, com imagem, era feito em 16 mm, em reversíveis 16 mm. Washington Novaes: E que trabalhava basicamente com a visão de cinema. Quer dizer... Paulo Gil costumava dizer que no Globo Repórter o narrador era a câmera, não era o diretor, não era o repórter, não era nada... A câmera era o grande... O grande narrador. Eduardo Coutinho: E daí que eu senti que na verdade eu sempre quis fazer... Independente do Cabra, eu sempre quis fazer documentário. E descobri isso em 76, quando eu fui filmar uma seca em Ouricuri. Arquivo – Seis dias em Ouricuri: Ouricuri, a 620km do Recife, foi o lugar onde os problemas sociais gerados pela seca se concentraram. Ouricuri tem 60 mil habitantes, dos quais 12 mil vivem na zona urbana. A falta de água tornou-se aguda. Perderam-se as colheitas. A maioria dos agricultores nem sequer pode plantar suas lavouras de subsistência. Eduardo Coutinho: E enfim, vou te dizer o momento assim, que pra mim foi simbólico. Fazendo um programa que tinha regras, era pra ser 10 minutos e ficou o programa inteiro no fim, depois de grande luta... Em que eu lembrei, e aí entra a sua experiência. Eu lembrei que eu tinha lido, por razões... Nem que eu quisesse ler, mas eu tinha lido O Quinze, de Raquel de Queiroz, que nem acho que seja um grande livro, mas onde existe capítulos, e em muitos livros não tem isso, em que era o que a pessoa faz na seca? A pessoa come raízes. Desde a mucunã até a "mandat"a do mandacaru. E daí me veio essa ideia... Tinha vinte pessoas reunidas esperando vir a comida do governo, que há dois dias não chegava, os filhos em casa passando fome... E daí eu perguntei: “Me diga, que raízes vocês comem quando tem seca.” Em cinco minutos eles tinham ido num mato próximo e um deles, que assumiu a posição de falante, botou quatro tipos de raízes e ele fala cada raiz o que é, pra que serve, quem come é porco, quem come é gado, mas na seca ele é obrigado... Aí ele cita: “Essa eu comi na seca de 58... A mucunã, essa é a mais amarga de todas...” Arquivo – Seis dias em Ouricuri: Essa mucunã do mesmo jeito também comi em 58, quando eu era pequeno. Mas eu tenho muita lembrança que comi, como se diz, a força. A minha madrasta, padrasto e a minha madrasta obrigou eu comer o pão dessa mucunã. Sem eu querer. Botei a primeira colherada na boca e joguei fora por que o estômago não aceitou. Então ela foi, me deu uma surra e me obrigou a comer o pão da mucunã. Eduardo Coutinho: Essa coisa de conversar e realmente ouvir os outros, desde desse momento me marcou... Isso é um troço maravilhoso, entende? 15:50 Silvio Tendler: Qualquer tema é complicado e fácil de fazer. Eu já fiz filme sobre geografia, já fiz filme sobre... sobre saúde, já fiz filme sobre política, já fiz tudo. Eu quero popularizar o conhecimento. Arquivo – Há Muitas Noites na Noite: 1968, anos de chumbo. Quando Goulart é preso, no Brasil, e escolhe levar pra a prisão o livro de Cervantes: Dom Quixote. O Capitão Guimarães, que o havia prendido, perguntou pela sua arma. E ele, como Cervantes, apresentou uma caneta. A única arma do poeta. Ferreira Gullar: “Naquele Ato Institucional eles baixaram o ato e prenderam gente no Brasil inteiro, em tudo quanto é canto, por toda e qualquer razão. Todo mundo que se opunha ao regime e que tinha de alguma maneira manifestado sua oposição ao regime foi preso.” Silvio Tendler: Então eu comecei a fazer cinema sempre voltado pra esse binômio política, história e o documentário como meio narrativo. Eduardo Thielen: Eu acho que você pensar um pouco a historicidade do tema também é muito importante. Por que esse grande chavão assim, de que... Como é que é? Somos o que fomos e seremos o que... O que somos... Essa coisa da história ter um passado que tem a ver com presente e que no presente a gente constrói o futuro, que é o chavão da história. Mas é assim, as coisas não vem do nada, as coisas vêm de um passado, vêm de uma construção. E o futuro vai ser construído. Então o passado ele também forma o presente. Arquivo – Oswaldo Cruz na Amazônia: Quase um século depois, Eduardo, Luiz Carlos e eu, Stela, estamos documentando a memória das viagens de Oswaldo Cruz à Amazônia. Seguindo a trilha deixada por meu bisavô. Eduardo Thielen: E nós conseguimos durante a década de 90... Praticamente quase todos os anos, refazer quase todas as expedições que Oswaldo Cruz e Carlos Chagas fizeram pra Amazônia brasileira. Arquivo - Oswaldo Cruz na Amazônia. Música Madeira Mamoré. Eduardo Thielen: Carlos Chagas viajou durante sete meses pelo interior da Amazônia, de barco, e nós tentávamos buscar exatamente os mesmos locais registrados nos relatórios e nas fotografias lá de 1912, 1913. Pra comparar as imagens, entrevistávamos as pessoas. Eduardo Thielen: Lembrei de um documentário que eu fiz, muito interessante, que é essa coisa histórica. Sobre a questão da malária que na década de 50 ela era tratada... Qual é a única maneira de você combater a malária? É você combater o inseto vetor da malária, que é o anofelino. Então, o ministro da saúde na época, que eu não lembro o nome, década de 50, aparece num documentário daqueles cinejornais lá da década de 50, lá na cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, eles sobem num morro... A cidade tá lá em baixo, eles sobrem num morro, e são os gravatás que é uma planta que acumula água, que favorece a criação dos anofelinos. Que quanto mais anofelinos, mais possibilidade de existir a malária. Então o ministro da saúde sobre lá no cume do morro, lá no cume do morro eles fazem uma piscina imensa de inseticida e pegam com uma mangueira e começam a jogar o inseticida sobre a floresta, em cima da cidade... E aí entra uma música do Wagner assim: “Não restará nenhum gravatá vivo!” Arquivo – Cine-jornal: É preciso destruir os gravatás para destruição dos criadouros de mosquitos e extermínio de suas larvas. Nestas matas, não restará um gravatá vivo. Temos agora um autêntico fog londrino dentro da floresta. Nenhum gravatá resistirá a esta névoa da morte. Eduardo Thielen: Claro né, acaba com a malária, acaba com os gravatás e acaba com a floresta. Mata todo o meio ambiente. Eduardo Thielen: Há que se relativizar esse conhecimento. Embora não se possa negar a ciência. Eu acho só que deve se passar pras pessoas que o conhecimento ele também é transitório, ele também muda. 21:25 Arquivo - Kraho - os filhos da terra. Luiz Eduardo Jorge: Eu demoro muito pra fazer um filme. Eu demoro muito pro resultado chegar, por que a pesquisa é uma pesquisa muito rigorosa, eu sou uma pessoa que eu organizo o filme. Eu faço uma pesquisa literária. Eu vou fazendo a escavação arqueológica, vamos dizer assim, das ideias, e das informações. A partir dessa leitura que eu vou conseguindo dar uma dimensão mais justa, vamos dizer assim, da abordagem do tema. Arquivo - Kraho - os filhos da terra. Luiz Eduardo Jorge: A seleção dos personagens é no percurso da pesquisa, não tem jeito. É na convivência do dia a dia. Eduardo Coutinho: Eu sou obrigado a fazer pesquisa por um problema de orçamento. Eu vou num lugar, se eu não fiz nada antes eu vou ter que gastar muito mais tempo. E eu tento fazer o filme no prazo que eu faço... Vou num prédio e eu falo: é uma semana pra filmar, então sou obrigado a fazer pesquisa, em outras não. No Lixo, não fiz nenhuma. Bom... Essa aproximação é feita por pesquisadores que trabalham comigo, mas eu eles não conhecem. Não falaram nada. E por um curioso fenômeno, curioso em certo sentido, ele não lembra que ele foi filmado antes na pesquisa e que eu tenha visto. Então ele conta pra mim como se fosse a primeira vez. Embora não seja. Arquivo – Edifício Master: Você mora sozinha aqui? Moro sozinha. Você não casou? Não, tive uns tico-tico no fubá. Joguei no México “yo hablo español un poco”, joguei na França 2 anos e meio “je parle français un petit peu”, joguei nos Estados Unidos “I speak english a little bit”. Eduardo Coutinho: Ele é melhor na filmagem do que na pesquisa. Porque ele ganhou confiança, pô, foi uma pessoa lá e eu desconhecido vou lá. Meu velho é porque, Didi dizia: “Treino é treino e jogo é jogo.” É teatro e não é, sempre. Você nunca pode saber se é pra câmera ou não... Mas, ela constrói, como todos nós, constrói um personagem. E pra isso, precisa que haja antes apenas um contato de alguém da equipe que seja... Não é porque eles vão me dizer maravilhas ou não... Tem que ser um contato que crie laços de cordialidade. Pra quando eu chegar, eu ter o aval dessas pessoas. Arquivo – Edifício Master: Vamo aqui... Vou te apresentar a equipe toda. Vão entrando, tá? Tudo bem? Tudo bom? Esse é o Jacques, o Eduardo Coutinho, nosso diretor... Como vai o senhor? Prazer, vamos entrar? Tá chique, em? Ah, mas tem que ficar chique, não é não? Dos objetos que eu mais gosto? É os meus retratos. Ah... É os meus retratos. Então me conta por quê? Porque... Eu me amo, né. A gente tem que se amar, não acha? Eduardo Coutinho: É fantástico... É fantástico, não só o conteúdo, eu senti que o modo dela contar seria também fantástico. E aí é que eu tinha que conseguir na filmagem que o modo fosse mais forte. Muito bem. Ela começa a dizer que trabalhou como modelista, que trabalhou com os ricos, que aprendeu muito com a família Marinho, tal, tal, tal, tal... E eu me amo, tenho retratos por todo o apartamento... Tudo bem. Daí fui, como é que foi o negócio do suicídio? Arquivo – Edifício Master: Fiquei zanzando aqui, pensando uma coisa... Eu devendo à C&A, eu devendo ao Ponto Frio... Entende? Quando foi quatro horas eu botei uma calça comprida e fui na janela pra pular. Eu fui na janela pra pular. Daí... Meu falecido marido tinha dois anos de morto, né... Me vi sozinha... Daí eu me retirei da janela, fiquei... Foi muito engraçado, porque as pessoas dizem assim: você não se jogou da janela por causa da C&A e por causa do Ponto Frio? Eu falei é. Por que eu não sou dessas pessoas que dizem: ah morreu, defunto não paga. Quando eu tiver que morrer eu quero morrer em paz. Eu quero morrer não devendo a ninguém. Eduardo Coutinho: Ela não se jogou por que ela não queria deixar dívidas. Você sabe que é muito louco, porque essa mulher, isso é um dos exemplos raros... Quando o filme...o filme acabou sendo o mais visto que eu fiz e essa C&A deu um cartão ouro pra ela. Isso é genial, essa coisa... Realmente... E foi extraordinária, verdadeira e fantástica. Então eu escolho por que... O fato é o seguinte, não é pela história, é como a pessoa conta a história. Inge Altemeier: A única possibilidade de fazer documentários realmente investigativos e políticos, é: vá lá e olhe e brigue e tente inclusive... disfarçado, tente também se aproximar da verdade por meio de mentiras, caso contrário você não a consegue. Arquivo – Asbest: Crisotila é um outro nome para o amianto branco. Inofensivo, dizem, branco e fofo. E esse material seria menos agressivo nos conta o gerente da CIA de Amianto Jacques Le Blond. Ele gentilmente nos guia pelas instalações. Nós queremos saber mais sobre o perigo da fibra de amianto branco do Canadá. Por isso entregamos nossas roupas e sapatos para o renomado laboratório Wartig Chemie, em Hamburgo, para serem testados quanto ao amianto. Inge: Eu trago aqui as roupas e sapatos que eu usei na filmagem na mina de crisotila no Canadá. O resultado é um choque. O resquício do pó encontrado nos sapatos e nas roupas, até este é praticamente amianto puro. Ou seja, a periculosidade é a mesma em todos esses materiais. Inge Altemeier: E, aliás, nós cada vez mais fazemos testes científicos por conta própria, para que nós os paguemos, para que tenhamos resultados independentes. Arquivo – Asbest: Para achar amianto nas garrafas térmicas, é preciso ser um verdadeiro cão farejador. Ele está localizado entre as paredes de isolamento do recipiente de vidro interno da garrafa. De fora, até se consegue ver. Esses pontos escuros são feitos da fibra mortífera. Quando a garrafa cai e o recipiente de vidro interno quebra, o amianto é liberado. E aqui é onde são colocadas as pastilhas cinzas da crisotila. Amianto ainda é permitido na China. Por isso também não há medidas de segurança do trabalho e nem orientações sobre a fibra mortífera. As trabalhadoras nem fazem ideia do perigo ao qual estão expostas. E assim chegam pastilha por pastilha de amianto à Europa. Arquivo – Der Mensch na Sich: Poderíamos talvez ter um posicionamento da sua parte? Agora não dá mesmo, eu tenho um compromisso. Mas dessa forma o senhor teria a possibilidade de expressar o outro lado. Sim, mas agora eu realmente não posso. Eu preciso ir, ainda tenho um compromisso. Mas será possível ainda ter uma posição do senhor? Com certeza, sem problemas. Quando? Só temos antes que agendar. Inge Altemeier: Eu confesso que, às vezes, eu prefiro quando as pessoas não querem ir para a frente da câmera, pois mostra exatamente o que elas são. Ou seja, que elas têm algo a esconder. Arquivo – Asbest: O gerente quer conversar conosco. E aí, ele recebe um SMS. E de repente as nossas perguntas não são mais respondidas. Inge: Nós na Europa, recebemos isso dentro de garrafas térmicas. Será que ele se orgulha que... E então eles nos tomam as fitas de vídeo. Arquivo – Dying For Fashion: Olá, eu trabalho para a TV Alemã. Eu vim para saber o que aconteceu aqui desde o acordo de inspeção. Não nos deram permissão para entrar na fábrica. A Kik não se dispôs a nos dar uma entrevista. Nós fizemos nossa última tentativa em sua sede alemã, mas a Kik nos encaminhou seu código de conduta. Inge Altemeier: A gente tem que estar aberto para não ter medo de tentar realmente de tudo paradar voz a todos. O que não pode acontecer, na minha opinião, de forma alguma é sempre essa história: um, eu escuto e o outro, eu confronto. Eu penso que isso leva ao ponto de tornar muito difícil de realmente fazer filmes assim. Tem que se realmente tentar manter-se aberto no início. 30:05 Silvio Tendler: Eu faço o que o Joris Ivens chamava de um ponto de vista documentado. Eu tenho um ponto de vista, eu defendo aquilo ali, eu mostro aquilo ali. Quem quiser me contestar que faça um filme de igual teor, circulando nos mesmos meios. Joachim Tschirner: Eu ainda não trabalhei de forma investigativa. Isso eu simplesmente não consigo. Eu não consigo contar qualquer coisa para alguém, para ele vir depois dizer que eu o enganei, ou algo assim. Também com essas pessoas lá nós nos demos tempo, nós compartilhamos com eles nossas coordenadas, nossas coordenadas de pensamento. E fizemos isso na forma de oferta e falamos: nós achamos melhor que falemos uns com os outros do que falarmos uns sobre os outros. Com o “Yellow Cake” no Canada não conseguimos isso. Eles não nos deixaram chegar. Aí tínhamos que falar sobre eles, eu não fico confortável com isso. Arquivo – Yellow Cake: Nós achamos um piloto de vôo fretado que não trabalha para a Cameco ou Areva. Um professor de esqui das Montanhas Rochosas. Aproximadamente ¼ de toda a produção de Urânio do mundo vem dessa região. As minas da empresa canadense Cameco e da francesa Areva. receberam nomes das áreas de beleza natural antes incomparáveis: Lago Rabbit, Rio MacArthur, Lago Mclean, Lago Cluff, Lago Cigar, Lago Key. Cada mina tem a sua pista de pouso, mas não tivemos permissão para aterrissar porque não tínhamos permissão para filmar. Sem perguntas e sem respostas. Bertram Verhaag: Em nossos filmes já não temos mais conversas com a indústria. Não porque não queremos, mas porque a indústria se recusa a falar conosco, porque eles também percebem, quanta força têm nossos filmes, e como representamos, de fato, uma postura clara. Ou seja, mesmo quando a indústria é incluída, e não há narração, o espectador percebe assim mesmo de que lado eu estou. Arquivo – Blue Eyed: Eu quero que cada pessoa branca nesta sala... que estaria satisfeita em ser tratada como a nossa sociedade em geral trata os negros, se você como um cidadão branco estaria feliz em receber o mesmo tratamento que os cidadãos negros recebem em nossa sociedade, por favor levante. Vocês não entenderam a orientação. Se vocês, brancos, querem ser tratados como os negros são tratados na nossa sociedade, levante-se. Ninguém está de pé aqui. Isso deixa muito claro que vocês sabem o que está acontecendo. Vocês sabem que não querem isso para vocês. Eu quero saber por que vocês estão dispostos a aceitar ou permitir que isso aconteça com outros. Silvio Tendler: A gente não faz jornalismo. O documentarista não tem a obrigação de ouvir os dois lados. Ele não pode mentir. O documentarista não pode mentir, eu não posso falar uma mentira pra você pra defender um ponto de vista. Eduardo Thielen: Eu acho que só tem um caminho, é você conversar com a pessoa e tentar estabelecer uma relação de igualdade. Isso eu acho que é uma questão que não tá dada só pro documentarista, pro diretor e pro entrevistado, é uma questão que está dada nas relações humanas. Silvio Tendler: Existe entre o entrevistado e o entrevistador uma relação de confiança, você me pede uma entrevista e eu te dou. Eu parto do princípio que você é um cara sério, que você não vai me desfigurar e você parte do princípio de que eu sou um cara sério e que eu tô falando a verdade. Eduardo Thielen: É claro que essa igualdade também é uma coisa construída, quer dizer, ela não é uma igualdade de fato. Claro que existe um diretor que tá ali do lado ou atrás da câmera, existe um câmera, toda uma equipe e existe uma pessoa que tá sendo gravada, questionada e tal. Eu acho que o principal é isso, é tentar estabelecer uma relação humana de igualdade, ou seja, ouvir. Eu acho que a principal questão é ouvir. Arquivo – Últimas Conversas: Boa tarde. Boa tarde. Boa noite. Tudo bem? Tudo bem. Está à vontade? Estou à vontade. Vou te fazer pergunta normal. Sobre a tua vida assim. Você responde mentindo ou não. Tanto faz. Eduardo Coutinho: Eu descobri o seguinte, que você tinha que se colocar entre parênteses do ponto de vista ideológico... E todos os outros tipos... Até onde é possível, por que totalmente é impossível, mas é um absoluto que se aspira... Você se coloca entre parênteses e você é o cara que não sabe e pergunta pra quem sabe. E não do ponto de vista: quem sabe é um deus. Tipo a coisa católica: “O índio é santo porque nós somos os pobres...” Isso eu odeio. Essa posição de... Então o problema é tentar se colocar no lugar do outro e ao mesmo tempo mantendo uma igualdade utópica de que o seguinte: Não, ele tem coisas a dizer, mas depende também do que eu pergunto, depende do que eu faça... Pra tornar deles as palavras minhas e minhas as deles. Isso foi uma coisa essencial. Arquivo – Últimas Conversas: E vou te fazer perguntas lógicas e perguntas absurdas, como se eu tivesse cinco anos, por que eu faço com todos assim. Eduardo Coutinho: E na verdade eu entendi depois que o melhor... O melhor repórter do mundo é uma criança naquela idade dos seis, sete anos, não me lembro mais, que tudo é o que e porque. O que é genial, por que simplesmente um pergunta à criança: Deus existe? A mãe vai dizer o que? Sim ou não... Aí ele vai dizer: porque? Sobre Deus, sobre a morte, a criança fala e não tem... Tanto que as mães devem ficar loucas uma hora, por que não acaba nunca. O que? Por quê? Isso é bom. Então se conseguir essa inocência, você coloca coisas que... O que o cara disse não é e como você fala: Por quê? Como? Surge um troço novo, entende? Eu tenho que ser um cara ignorante pra que isso seja tudo o menos intencional possível. Arquivo – Edifício Master: Sou pai solteiro, tenho um filho com 31 anos. O que quer dizer “pai solteiro”? Pai solteiro? É... Eu tinha vinte e poucos anos, aí apareceu um neném. Era meu, eu assumi... Pronto, fui pai solteiro. Já fui católico. Atualmente ateu. O que quer dizer “ateu”? Que eu não tenho crença em nada. Nada? Algumas pessoas lá me discriminam. Por quê? Então me conta, por quê? Por quê? Por que, conta? Por que o futebol brasileiro é isso. Eduardo Coutinho: Entendeu? 37:39 Arquivo – Taste the Waste: Nós vivemos num esbanjamento. Isso significa que eu, como cliente do supermercado, pago também por tudo isso, e nem tudo é vendido. Valentin Turn: Quando diz diretamente respeito a uma empresa, e eu digo: essa empresa fez essa e essa sujeira, então eu preciso para isso de fatos concretos. E é certo assim nesse caso, pois apenas opiniões seria de alguma forma fraco demais. Quando tenho, por exemplo, alguém que diz: eu ouvi falar que... isso também não conseguiria conciliar com a minha consciência, mesmo acreditando que é verdade. Eu tenho sim o dever de checar. Os supermercados alemães diziam: “Nós não jogamos nada fora.” Bem, eu já sabia pelas andanças com os “dumpster divers” que isso não podia ser a verdade. Arquivo – Taste the Waste: Eu acho que isso é torrada integral, pão de amaranto, rabanete roxo. Cebolas já tenho o suficiente. Valentin Turn: Mas neste caso precisa, sim, ter uma certa firmeza e dizer: isso não é verdade. Eu não tenho nenhuma informação contrária, mas onde a consigo? Na Alemanha não a encontro. Então vou dar uma olhada no exterior. Arquivo – Taste the Waste: Não se pode prever o que os consumidores vão comer. É uma pena. A carne não pode ser doada nem para a Cruz Vermelha porque a data de validade é muito curta. Não temos alternativa. Tem que ir tudo para o lixo. Valentin Turn: Isso leva tempo, você precisa de perseverança e precisa-se também de um certo faro. Um faro, no meu caso, ele despertou quando passei a ler a linguagem das respostas, que... pois acredito que agora, depois de alguns anos de experiência profissional, posso farejar a mentira e a dissimulação. Eu realmente consigo cheirar isso e penso que sim... Pesquisa no fundo é ofício, isso você pode aprender, e neste sentido só posso recomendar a todos também passar por uma formação jornalística. Silvio Tendler: Eu me preocupo em fazer um discurso que seja um discurso palpável e compreensível para todos. Eduardo Thielen: Você conseguir dizer coisas complicadas de uma maneira simples é uma virtude. Agora... Tomando cuidado também de não simplificar demais as coisas, por que as coisas também não são totalmente simplificadas... Elas tem relação entre si e tal... Joachim Tschirner: Temos que ser capazes, de reduzir ao nível de “Vila Sésamo”. Onde processos totalmente complicados são descritos de uma maneira que crianças os compreendam. Valentin Turn: E isso na verdade é a arte, enfatizar e simplificar de um jeito que a essência é transmitida sem ser adulterada. Inge Altemeier: Em primeiro lugar, para definir a estética do filme, a história é o mais importante. Histórias diferentes precisam simplesmente de diferentes estéticas. Arquivo - Flies & Angels Kerstin Stutterheim: Há tantas formas de contar, principalmente quando se fala sobre aspectos da realidade onde não é possível dizer de antemão: eu agora tenho aqui um herói e isso é um conflito e então vejamos como ele encontra o seu inimigo, isso no documentário é idiotice. O documentário demanda antes de tudo o que na dramaturgia se chama de “forma aberta”, é que se usa fragmentos da realidade para proporcionar dela uma imagem, construir uma narrativa que sobre um tema... – em alemão existe esta bela expressão “conjunção de significado” a qual coloca todo fragmento, por assim dizer, em relação a um outro. E isso também é a maneira como nós próprios percebemos a realidade. Arquivo - The Goldberg Condition Valentin Turn: Claro, muitas vezes quando se faz um filme você tem dúvidas se essa é a maneira certa de abordar o tema. Já ajuda, se você antes organiza as coisas no papel. No documentário, isso não funciona como no filme de ficção onde você faz um roteiro, cada vez mais as redações dos canais de televisão gostam que você o faça, assim como o Fundo de Cinema, quando você pleiteia apoio é muito bom que você receba dinheiro, mas todos eles querem assistir ao filme praticamente pronto já no papel. Com os diálogos dos protagonistas, você nem sabe ainda o que vão falar. Silvio Tendler: Um roteiro fechado de um filme desses é uma camisa de força. Não é um mapa, entendeu? Não é um mapa, não é uma bússola, não é um sextante. Ele é uma camisa de força... É uma algema que te encarcera, e te impede de seguir adiante. Valentin Turn: É certo que você pode ficar irritado com isso, com essa exigência, mas também ajuda de certa forma para aguçar os seus pensamentos. Quando você estiver depois no local da filmagem, você sabe o quê, em que direção perguntar. Silvio Tendler: E o documentário, é importante a gente falar isso, ele vai nascendo na montagem. Eu não conheço ninguém que faça um filme como esses, partindo de um roteiro fechado. 44:07 Inge Altemeier: Eu não consigo isso, eu já tentei escrever um roteiro ou algo assim, eu não consigo, mas eu tenho que simplesmente viver nesse filme, e confiar no que eu mesma percebo como o drama. São imagens incríveis. Estou muito satisfeita. É monumental. Inge e parceiro trabalhando Inge Altemeier: São imagens incríveis. Estou muito satisfeita. É monumental. Bertram Verhaag: Iniciamos assistindo todo o material original e aí, quando se tem sorte, se cristaliza relativamente rápido: “oh, assim o filme poderia começar, isso é legal.” Porque não é somente como no tratamento, no filme é a mesma coisa, os primeiros minutos têm que prender o espectador, para que ele fique perto. Joachim Tschirner: E aí você faz a primeira edição do material bruto, e mostra ele pela primeira vez, e aí vem o grande abalo, na maioria das vezes as pessoas dizem: “Imagens lindas, mas estamos ainda muito longe de um filme.” Kerstin Stutterheim: Mas é óbvio que cineastas como Bertram Verhaag e Joachim Tschirner, que a vida toda fizeram filmes, fizeram o que é necessário em termos dramatúrgicos, o que é necessário em termos de pesquisa e planejamento. E o interessante no fazer documentários é enfim que se tenha uma ideia básica, um conceito, e que se diga, agora vou lá, lá e lá. Quero falar com esse, aquele e aquele. E aí ocorre o que já falei no início que o Deus do documentário lhe dá ainda um presente extra. Arquivo - Bauhaus Eduardo Thielen: Você tem temas que são muito instigantes. Você tem temas que são muito... que já chamam pra você fazer um documentário... Que já despertam atenção, mas isso eu acho que não é o principal. O principal é como você vai tratar esse tema. Como você vai investigar o tema. Como você vai fazer as pessoas falarem sobre esse tema e como você vai expor esse tema. Arquivo – Oswaldo Cruz na Amazônia: Rio de Janeiro, nove de setembro de 1913. Excelentíssimo senhor Ministro, ainda está na mente de todos a lembrança dos malogros sucessivos das empresas que tentaram levar avante a construção da estrada de ferro Madeira Mamoré. Foi necessária uma campanha sanitária bem orientada e enérgica para levar a termo a construção da ferrovia. Só os que viram e estudaram a zona poderão avaliar com justeza o futuro admirável que ela terá. O duende do amazonas é o impaludismo. É necessário por em prática as medidas que a profilaxia já encontrou e metodizou para que o vale do Amazonas se torne habitável. É apenas questão de tenacidade e resolução, e o duende do Amazonas, campeão da morte, ruirá por terra. O saneamento da Amazônia se fará quando o governo determinar. Ficará assim entregue à civilização uma das mais ricas, se não a mais rica zona do Brasil. Doutor Oswaldo Gonçalves Cruz. Eduardo Thielen: Hoje, depois de toda essa discussão, esse estudo... O contato com o Eduardo Coutinho e tentar discutir a teoria do documentário, eu penso que é mais importante você... É mais importante a abordagem, a linguagem, vamos dizer assim, o dispositivo que você cria pra abordar o tema do que o tema em si. Arquivo – Edifício Master: Um edifício em Copacabana, a uma esquina da praia. Duzentos e setenta e seis apartamentos conjugados. Uns quinhentos moradores. Doze andares. Vinte e três apartamentos por andar. Eduardo Coutinho: É outra questão estética, eu filmo tudo num lugar só. Quase tudo tirando Peões. É tudo num lugar. Porque é bom. Por que isso me obriga a uma disciplina... Então o que tá no Master... Eu fui pra um prédio que eu não fui porque tinham personagens, eu tinha obrigação de encontrar nesse prédio um filme. Arquivo - Edifício Master: Alugamos um apartamento no prédio por um mês. Com três equipes filmamos a vida do prédio durante uma semana. Eduardo Coutinho: Agora, na esquina tinha um cara genial, mas não pode entrar. Isso evita também o seguinte, o cara dizer assim: “Olha, tem um cara que não mora no prédio. Mora aqui... Que eu conheço, é amigo de um tio meu... Ele é tipicamente classe média.” Como o cara me diz isso, tá fora. É isso que justamente o Bourdieu próprio fala, você dizer que alguém é típico de uma classe, de um meio, etc e tal... Simbolicamente você anula a singularidade do outro. Uma das coisas mais terríveis de dizer: tal pessoa é típica de uma coisa. De típico a gente tem a televisão pra dar. Pronto. Arquivo – Edifício Master: Vamos lá? Vamos lá. Essa é a Dalva, a dona da casa efetivamente. Tudo bom. Essa aqui é a nossa casa, por favor fiquem à vontade... Isso aqui foi uma coisinha simples que nós preparamos pra recepcioná-los. É uma coisa simples que nós preparamos pra recepcioná-los aí... 50:23 Arquivo – Dying For Fashion: O maravilhoso mundo da moda. Toda semana, novos produtos chegam nas lojas. Chamam isso de “fast fashion” e é incrivelmente barato. Como a rede francesa Auchan. Para a sua linha “in extension”, a empresa diz que produz roupas de forma limpa e sustentável. Inge Altemeier: É sempre melhor, com esses temas de abrangência mundial, começar bem pequeno, em casa, de buscar as pessoas, de levar eles junto na pesquisa, para que eles estejam realmente juntos a campo, que pesquisem juntos. A pesquisa tem que ser absolutamente transparente. “Por que se está fazendo isso agora?” Isso precisa estar realmente bem próximo ao espectador, aí ele fica ligado. Arquivo – Dying For Fashion: H&M, uma das maiores produtoras de fast fashion do mundo, tem uma coleção chamada "Conscious". A empresa diz que simboliza a produção sustentável e responsável. A rede alemã Kik diz que sua marca “Okay” simboliza a segurança do trabalho. Muitas dessas roupas são feitas em Bangladesh, um país que está sempre nos noticiários devido a condições precárias de trabalho, tais como o uso de produtos químicos altamente tóxicos e máquinas de costura que superaquecem e causam incêndios. Inge Altemeier: Por exemplo sobre pesticida, herbicida, sempre aproximamos as pessoas, mostrando o que isso faz com elas. Isso é... o que isso faz com você quando na Índia se pulveriza pesticida sobre os campos, isso tem também algo a ver com você? Arquivo – 100% Cotton Made in India: Anan também caiu no terrível ciclo de morte dos pesticidas. Ele aplica mesmo quando a ameaça de pestes já passou e o algodão está sendo colhido. É assim que o pesticida vai parar diretamente no ouro branco. As bolas maduras de algodão não deveriam ser borrifadas, porque as fibras absorvem o veneno. Traços são deixados em tecidos usados em roupas íntimas, por exemplo. É muito difícil que eles saiam na lavagem. Os agricultores daqui não sabem disso. Não receberam nenhum tipo de treinamento quando fizeram o plantio, e assim as mulheres colhem o algodão envenenado que chega na Europa. Inge Altemeier: Então pegamos uma camiseta, desde a plantação do algodão até a loja, por exemplo, H&M, desde a plantação do algodão até a loja, por exemplo, H&M, para que o espectador sinta, quando vê isso: “peraí, eu tive a um tempo atrás umas alergias, será que não foi por causa da camiseta?” Isso, na verdade, é o meu objetivo, que as pessoas vivenciem isso. Washington Novaes: Você tem milhões de pessoas aí, botando informação aí na internet todo o dia e que se confrontam com a sua. Quer dizer, qual é a fonte que é confiável? Eu vejo cientistas que desmentem a questão da gravidade dos problemas do clima. Toda hora tem algum cientista falando isso aí. Agora isso é colocado, seja na chamada grande mídia, seja nas mídias alternativas e por aí, isso é colocado em pé de igualdade sem um critério pra saber o que que é confiável e o que que não é confiável. Você precisa ter parâmetros pra poder informar essas coisas, qual é a confiabilidade da informação que você tá traduzindo. 54:10 Joachim Tschirner: O espectador deve ser suprido com tanta informação, para que ele próprio chegue às conclusões. Embora seja sedutor como cineasta apresentar as conclusões. Mas nós tentamos sempre novamente dizer: “Não, não vamos acrescentar mais alguma coisa. No máximo nós deixamos ainda um protagonista falar, eles contam também sobre a empresa, sobre a mineradora, eles dizem que vão conseguir devolver a terra para os aborígenes do jeito como era.” Arquivo – Yellow Cake: Você acha possível esse lugar voltar a ser utilizado pelos nativos como era antes? Fazer esse lugar acessível para seus povos tradicionais, é o foco principal do nosso plano de reabilitação. Tudo o que nós fazemos, diz que temos que tornar essa terra acessível para os nativos. Com nenhum impacto negativo para eles. Lembrando que um dos nossos requisitos é que tudo o que foi retirado da terra deve ser devolvido. Você tem espaço suficiente para fazer isso? Sim, temos bastante espaço para os rejeitos voltarem para o buraco. Joachim Tschirner: Aí ele olha para mim e diz: “Vocês estiveram lá, vocês acreditam nisso?” Arquivo – Yellow Cake: Isso é o que eles gostariam que acontecesse. Eles querem que seja uma terra contínua como costumava ser antes das minas. Mas alguém realmente acredita que isso vai acontecer? Será que a área desse projeto será reabilitada a ponto de ficar igual ao resto do parque? Você esteve lá. O que você acha? Eu com certeza não acredito. Joachim Tschirner: É isso que eu entendo por raciocínio lógico comum das pessoas, em filmes que não pretendem trabalhar com métodos científicos, mas com aquilo que as pessoas dizem realmente: “Eu simplesmente não acredito neles.” Arquivo – Spaltprozesse: Foi uma ofensa muito grande. O Ministro da justiça disse: “A estação de tratamento de resíduos nucleares, se não for construída na região da Oberpfalz... não vai ser construída em lugar nenhum.” Ou seja, os moradores da Oberpfalz são os maiores idiotas da Alemanha. E isso irritou esses moradores profundamente. Bertram Verhaag: Estávamos totalmente satisfeitos em ter cabeças falantes e em não fazer imagens. Aí talvez seria possível tensionar um arco pois nessa época o importante era o conteúdo, a palavra falada. Arquivo – Spaltprozesse: E os moradores da Oberpfalz, sempre cidadãos devotos, sempre eleitores do partido CSU, sem nunca terem saído da linha, agora, de repente, se rebelam, e são verdadeiros militantes da resistência. Bertram Verhaag: Ou seja, o contar uma história sem narração e a ausência do narrador nos obriga a fazer entrevistas de um jeito que o filme e a dramaturgia inteira se desenvolvam por si só, a partir dessas histórias. Isso significa que se tem que filmar muito mais, se tem que ter muito mais paciência, se tem que cuidar que as respostas que vêm se mantenham de pé por elas mesmas, e assim poderem ser montadas para formar uma história. Arquivo – Spaltprozesse: Eu defendo a minha terra. Tá certo. E como nativa daqui, mais ainda. Eu estou me sentindo como no nazismo, meus pais passaram por isso. Quando tinha dois anos de idade, meu pai me trazia aqui na floresta. Durante anos colhia aqui meus cogumelos e frutos silvestres. E de repente, nós daqui, passamos a ser controlados toda hora. Eu pareço uma criminosa? Bertram Verhaag: E hoje em dia eu filmo imensamente mais em termos de imagens, em qualquer entrevista e em qualquer situação. E isso também se faz bem perceptível, sem perder nada da veemência, mas mesmo assim conduzindo com imagens. Arquivo – Code of Survival: Ele está pulverizando mais de uma lavoura. Por causa desse traçado. Eduardo Coutinho: Se não houvesse som direto eu não teria ido pro documentário nunca. Eu odeio todo documentário do cinema mudo... Quer dizer, mesmo o Flaherty e tal, acho interessante e tal, mas pra mim é o som direto é que muda tudo. Que foi... Anos sessenta que começou, Jean Rouch, Estados Unidos e tal... Arquivo – Edifício Master: O Marcelo pode te ajudar a levar as coisas também, Valéria. Eduardo Coutinho: A voz humana é tão importante, o corpo humano é tão importante, e a coisa mais importante que o corpo humano faz em um filme documentário é falar, não é agir. Porque agir depende, agir pode ser importante, mas eu me lembro que eu filme um cara e ele trabalhava numa fábrica de aparelho ortopédico da BBL. Aí eu fui lá filmar ele trabalhando... Daí filma ele trabalhando. Não, agora faz de novo, mais devagar. Não aqui ficou melhor... Sabe? É um troço totalmente fabricado pra câmera. Uma conversa não é fabricada, existe uma câmera. Arquivo – Edifício Master: Minha carne, ferida aberta e vermelha. Melancia arrebentada em fim de feira. Exposta. Eduardo Coutinho: Uma pessoa que é prolixa demais, uma pessoa que não tem força... A coisa tem que ter força. E a força você vê pela digressão. Força é o gestual, força é a forma que a palavra sai. É a relação do rosto e dos braços com a palavra. É... Impossível definir, entendeu? Mas no fundo é uma performance. O que eu quero é uma performance e eu jamais peço: Faça uma performance. Eu pergunto: Qual é a sua vida? Arquivo – Últimas Conversas: Minha vida sempre foi meio complicada, assim... Eu nasci no Rio, tive uma família normal. Tinha uma situação boa, vamos dizer assim... Mas, resumindo até aos 9 anos, meus pais se separaram. Eduardo Coutinho: Eu falo pra ela: Não, é verdade? Não estou afim de que a pessoa invente nada. Tanto que eu digo, a memória 70% é invenção. Porque você ajunta coisas, entende? A tua memória de dez anos, vinte anos... Você depende das circunstâncias, você tem uma memória que a infância é um paraíso ou um inferno. Isso muda. E os fatos que existem são fatos misturados com outros. Então, nada mais mentiroso e verdadeiro do que a memória. Arquivo – Code of Survival: É tudo por ganância, dinheiro, poder e controle nas mãos de poucos. Os EUA já são os líderes mundiais em biotecnologia. E nós queremos que seja assim. Eu não acredito que o glifosfato na Argentina está causando aumento nos casos de câncer. Você pode beber um copo inteiro que não vai lhe prejudicar. Você quer experimentar um pouco? Eu tenho um pouco aqui... Não, eu não sou um idiota. Não é normal você ter uma em cada 83 crianças com autismo. Nos anos 70 era uma em cada 10 mil crianças. E eu acho isso muito assustador. Faz o meu sangue gelar. Bertram Verhaag: Eu não preciso ser um cientista para avaliar que eu não quero isso. E dessa forma então mergulhei nesse tema. O segundo ponto que ficou claro para mim: é dito sempre que vivemos numa democracia, mas ninguém nos perguntou se queremos ter ou colher frutas geneticamente modificadas, se queremos que elas sejam plantadas e, e, e... Arquivo – Scientists Under Attack: Eles me perguntavam: “Você comeria isso?” Eu respondi “não, de jeito nenhum! As batatas transgênicas em que trabalhei, se puder evitar, eu certamente evitarei. Bertram Verhaag: Fizemos há pouco um filme, “Verdade comprada” o qual trata de cientistas que, por pesquisarem criticamente, são banidos pelo establishment, pela indústria, em parte também pela política. Arquivo – Scientists Under Attack: Achamos que foi só quando veio a pressão política de cima que a situação mudou. Então, o diretor, para salvar a sua própria pele, decidiu que a melhor forma de lidar com a situação e para me destruir, seria fazer com que eu ficasse de boca fechada. Então eles acionaram o contrato... Qualquer coisa que eu falasse na TV, no radio ou escrevesse em jornais eu não poderia negar, eu não poderia corrigir eu não poderia falar o que realmente estava acontecendo. Arquivo – O Veneno Está na Mesa: A chamada revolução verde, pós Segunda Guerra Mundial, prometia comida farta e sadia na mesa dos habitantes de todo o planeta. Silvio Tendler: Não é um filme pra animar uma campanha que já existe. É um filme pra dona de casa que todo o dia coloca legumes e verduras na mesa, falando aos filhos come que faz bem à saúde. E quando ela descobrir como é que aquele... Que aquele... Que aqueles alimentos feitos pra fazer bem, eles são cultivados, ela vai se assustar. Arquivo – O Veneno Está na Mesa: Hoje o Brasil possui e opera mais de quatrocentos tipos de agrotóxicos registrados. Inseticidas, fungicidas e herbicidas. Silvio Tendler: Eu sou um cineasta que motiva o debate na sociedade. Cumpri meu papel. Eu tenho um ponto de vista que é documentado, que é meu. Agora outro faça o seu. Arquivo - Aral Sea Joachim Tschirner: E aí eu chego no meu tema preferido, do que o documentário é capaz. O documentário pode transmitir uma postura, ele pode iniciar uma conversa com o espectador, mas não como um conscientizador. O documentário, como um pintor, ou numa outra linguagem artística, pode mostrar sua visão do mundo e iniciar uma conversa. Um exemplo, quando eu faço um filme sobre a catástrofe do Mar de Aral, onde um mar inteiro está secando e mudando o clima do planeta, então isso para mim não é somente um problema científico, mas eu me admiro também sobre as possibilidades que, no fundo, existem naquela região. Arquivo – The Aral Sea: Munik, Ásia Central. A antiga cidade portuária também era conhecida como um Spa natural, muito conhecida por sua brisa fresca, mesmo no auge do verão. Hoje, areia e tempestades de sal sopram na cidade quase todos os dias. E os habitantes mal conseguem se proteger. Luiz Eduardo Jorge: Praticamente todos os filmes que eu fiz foram filmes que resultaram em alguma mudança na vida das pessoas que eu filmei. Por exemplo, Kraho, Os Filhos da Terra, Imagens de Arquivo Kraho Imagens de arquivo Carvoeiros Luiz Eduardo Jorge: eles puderam fazer a gestão da vida deles a partir de um filme que teve uma dimensão muito, do ponto de vista político, muito interessante. E financeiro também. Nós fizemos um documento dando a eles todos os diretos da imagem. Passageiros da Segunda Classe o resultado foi a destruição do hospital. Imagens de Arquivo Passageiros de Segunda classe Luiz Eduardo Jorge: A política manicomial, pelo menos em Goiás, ela mudou muito. Vermelho Negro, os carvoeiros foram libertos do cárcere, das carvoarias. Imagens de arquivo Vermelho Negro Luiz Eduardo Jorge: Esses filmes provocam uma transformação social. Inge Altemeier: Nos primeiros tempos fizemos principalmente filmes sobre cultura, e aí então viajamos juntamente com o meu, com o nosso filho mais velho, na época com cinco anos de idade, para o Nepal. E lá, na frente de um tapete estava sentada uma criança, mais ou menos do tamanho do meu filho, que como europeu já era maior, e essa criança chorava terrivelmente e trançava esse tapete. E quando eu estava de volta na Alemanha... nós tínhamos filmado isso. Nossos amigos falaram, isso nós realmente tínhamos que fazer, eles hoje estão no governo do Nepal, maoístas, eles falaram que não pode continuar essa história de trabalho infantil, isso fica cada vez pior, e isso por causa do comércio com a Europa; por causa da exportação, uma massa de crianças vem sendo explorada. E aí, eu estive na loja Karstadt, aqui em Hamburgo, na rua Mönckebergstrasse, e vi aquele mesmo tapete. Eu tinha gravado isso fundo na minha mente, porque essa criança tinha chorado terrivelmente com o meu filho ao lado. E eu provei que essa criança tinha de fato feito esse tapete. Isso foi nos anos 90, foi a primeira vez que conseguimos de fato demonstrar, existe uma relação entre produtos baratos na Europa e exploração de crianças em diversos países pobres. Aí as pessoas, na época, começaram a devolver os seus tapetes para a loja Karstadt, e isso, esse filme me marcou profundamente, porque... também transformou o meu trabalho, porque depois que tudo isso tinha acontecido, os meus amigos do Nepal me ligaram, e as organizações parceiras, e falaram: “temos agora aqui 500 crianças, o que fazemos com elas agora? E os fabricantes de tapetes querem incendiar o nosso escritório, que ideia foi essa?” E isso me marcou totalmente; eu, nos últimos anos, ou nas últimas... isso agora já são quase décadas, o meu filho agora está com 24 anos, dá para calcular, 19 anos, sempre trabalhei junto com pessoas locais, ou com colegas, ou seja, jornalistas ou cineastas, ou com ONGs realmente independentes, para que pudéssemos atenuar a situação, quando, como por exemplo sobre o trabalho infantil, alguém tinha que amparar as crianças, ou quando – isso foi depois um triunfo imenso para mim – conseguimos fazer com que as empresas H&M e IKEA financiassem as crianças. Valentin Turn: É bom deixar claro, eu não faço isso só por um momento e depois termina, fim, próximo tema. O que, obviamente, teria que fazer como jornalista de noticiário. Pois, nesse caso não tenho esse tempo, tenho que seguir adiante depressa. Como documentarista, porém, posso me permitir pesquisar durante um ano, me preparar bem, e também depois, quando os filmes já estão sendo exibidos, pensar: faço somente o filme ou faço ainda algo em torno? Em Munique existe uma pequena iniciativa, chamada “Cooperativa da batata”, eles são um grupo de consumidores que têm um contrato direto com um produtor e recebem assim suas hortaliças. E as distribuem na cidade de bicicleta – um projeto bem legal e no seu primeiro informativo online eles escrevem: “Assistimos ao filme Taste the Waste e decidimos que temos que fazer algo contra este absurdo com os produtos alimentícios.” Isso obviamente é um grande elogio para mim, isso vale mais do que qualquer prêmio, porque percebo que... o que fiz enquanto filme foi uma motivação para agir, efetivamente. Isso é a verdadeira razão pela qual faço filmes. Arquivo – Cabra Marcado Para Morrer: Fevereiro de 1981. Dezessete anos depois, voltei a Galiléia pra completar o filme do modo que fosse possível. Não havia um roteiro prévio, mas apenas a ideia de tentar reencontrar os camponeses que tinham trabalhado em Cabra Marcado Para Morrer. O material foi mostrado exatamente como tinha sido filmado. Fora de ordem, com cenas incompletas, cenas repetidas, claquete, etc... Elizabeth Teixeira tinha 37 anos. João Pedro morreu com 44. Arquivo – A Família de Elizabeth Teixeira: Dona Elizabeth! Como é que vai a senhora? A senhora tá de pé, maravilhosa. Olha que fotografia linda, dona Elizabeth, que a gente achou depois... Há uns dois anos... O fotógrafo da equipe tirou... A fotografia não é muito boa, mas a senhora tá ótima. 01:12:33 Eduardo Coutinho: Se o filme Cabra não existisse, isso jamais aconteceria. Ela não iria pra Suíça... Ela foi levada pro Pontal do Paranapanema, encontrou com o Zé Rainha, sabe? Foi pro Amazonas num negócio de mulheres, então... Ela ficou conselheira do movimento social na Paraíba... Ela agora tá com 87 anos, mas enfim... Ela tornou-se um símbolo, entende? Como o João Pedro se tornou. Isso ninguém tira, foi o filme que fez. Como também o filme, pra ser justo, foi que me permitiu continuar a fazer cinema. Ah, por que demorou quinze anos, mas enfim o Cabra virou uma referência. Isso eu posso dar. Agora, as consequências da morte do pai e do golpe... E a relação mãe e filhas isso não tem conserto. Isso não tem conserto... Como é que você vai salvar uma ferida dessas? Não cura, é impossível. Só a televisão que é assim, não é? Final feliz. Bertram Verhaag: Eu queria, e isso talvez no início ainda pensado mais em contexto de reportagem, que eu queria fazer um filme sobre uma determinada situação aqui na cidade (de Munique). Perto de Munique, numa distância de uma hora e meia de carro, iria se construir uma estação de tratamento de resíduos nucleares. E pensaram, se a gente constrói isso lá, não haverá resistência, ninguém vai protestar. O contrário foi o que aconteceu, as pessoas despertaram e refletiram sobre o que estava sendo construído na porta da casa delas e no início elas certamente falaram: “não, não aqui perto da gente”. E o governo aqui na Baviera decidiu instalar isso numa região, na qual vivem sobretudo cidadãos católicos, de boa fé, como se diz, cidadãos devotos e obedientes às autoridades. Arquivo – Spaltprozesse: Nós fomos tidos como os bobos da Oberpfalz, que são bonzinhos, que aturam muita coisa, e que se comportam bem quando tem uma manifestação. Bertram Verhaag: Então, acompanhamos essa questão em Wackersdorf, por muito tempo, praticamente de 84 até 91, 92 e fizemos cinco filmes sobre o tema. Nós sem dúvida contribuímos também com a nossa parte para que essa estação de tratamento de resíduos nucleares fosse fechada ao final. Arquivo – Spaltprozesse (música sobre imagens): Eu sonhei que a guerra tinha acabado você estava aqui e nós éramos livres e o sol da manhã brilhava. Todas as portas estavam abertas e as prisões vazias. Não havia mais armas, não havia mais guerras. Inge Altemeier: É um trabalho importante, que todos nós fazemos, fazer filmes, contar histórias, nós somos, por assim dizer, os documentaristas que talvez em 300, 400 anos serão desenterrados, caso não haja um crash dos discos rígidos. Como desenterramos livros antigos através dos quais sabemos da nossa história. Todas as pessoas precisam saber das suas histórias, senão, não há presente e nem futuro. Bertram Verhaag: Mas quero simplesmente fazer filmes que mobilizem, que toquem a alma, os sentimentos e o coração do espectador. E não somente informações. Silvio Tendler: Eu sei que eu faço filmes importantes e vou fazer no futuro, continuo nessa luta... Pela qualidade de vida da gente. Pode ser na história, pode ser na política e pode ser na ciência como é O Veneno, agora, eu acho que... Tá difícil. Inge Altemeier: Eu sempre provei que empresas destroem a natureza. Eu, por exemplo, fundamentei com um filme que a produção de biocombustível diminui a oferta de alimentos. Mas eu não consegui mudar nada. Nada. Eduardo Coutinho: Isso é uma coisa muito importante de não se romantizar, dizer o seguinte: Olha, as pessoas te deram o que elas te deram é inestimável. Eu procuro no filme devolver o que elas me deram. E quando eu digo tira isso, não gosto disso... É porque eu nunca tive a intenção de dizer... Eu procuro tornar minhas as palavras deles e tornar deles as palavras minhas. Isso é como eu pergunto, como eu monto. É esse o objetivo, tornar um troço que você não sabe de onde surge. Cartão: In Memoriam Eduardo Coutinho e Luiz Eduardo Jorge Créditos finais.