♪ ♪ [vinheta] ♪ [IGNACIO] A literatura é emoção e sensação. [MAR AL] Eu digo que a minha matriz é a rua. [ADELIA] Ter um estilo é limite. [BARTOLOMEU] Eu acho que é impossível viver sem ler. [MUTARELLI] Tem muito de mim em tudo que eu falo. [MARCELINO] Dói, eu escrevo. [TEZZA] O ato de escrever vai te dizendo também, um pouco, quem você é. [MARCELINO] "Vi o meu amor pelos ares, em Moabe, sei lá, Alibaba. Cazaquistão, coro de pele, o coração. Ismael, filho de Abraão, neto de Abimeleque, a saber. Fui eu fazer turismo e deu no que deu. Pegamos o mesmo ônibus, há dias pegávamos o mesmo ônibus. Reparei nele, aquele olho negro, escuridão ao sol, nós dois na mesma direção. Eu sou muito rápido para me apaixonar. Meu Senhor, deste novo amor, o que será? Meu homem em Jessé, Moabe, esquece, coração suando frio. Confusão, essa minha língua sem razão. Tudo uma explosão, isso mesmo, inacreditavelmente, uma praga que aconteceu de repente, como uma peste de dilúvio, uma assombração. Meu Cristo, Jesus. Sim, sou eu mesmo, filho de Abraão, pela serva de Agar". ♪ [MARCELINO] Eu nasci em uma cidade chamada Sertânia, fica no sertão de Pernambuco. Eu costumo dizer que eu não nasci, eu escapei. [risos] [MARCELINO] Nasci no ano de 1967. Sou o caçula de uma família de 9 filhos, então naquela época, para você sobreviver ali era danado, né? E aí a minha mãe, cansada, exatamente, de trabalhar tanto, de correr, e aí ela foi com a família toda para Paulo Afonso, na Bahia. A minha lembrança não é nem de seca, é de muita água, porque eu cheguei em Paulo Afonso com três anos de idade, eles faziam um passeio no domingo, levava para a cachoeira de Paulo Afonso e tal. Eu lembro de muita água e tinha muito medo. Depois, quando eu estava com 8 anos de idade, as coisas também não estavam muito boas em Paulo Afonso, aí minha mãe foi com os filhos todos para Recife. Cheguei em Recife com 8 anos de idade, fique lá a infância e a adolescência, e estou em São Paulo desde 91. Cheguei em São Paulo com 23 anos, mas é isso. Essa infância meio deslocada, quando eu achava que ia ficar em Sertânia fui para Paulo Afonso, quando achava que ia ficar em Paulo Afonso, fui para o Recife, quando achava que ia ficar em Recife, vim parar em São Paulo. ♪ [MARCELINO] Com 9 anos de idade eu comecei fazendo teatro. Não sei por que, achei bonito, achei que "Não, eu quero ser ator", mas aí quando eu cheguei lá, eu tive contato com textos criativos, primeiros textos com os quais eu tive contato, esses textos criativos, foi com texto teatral. Aí eu comecei escrevendo para teatro muito novo, com 10, 11, 12 anos, muito novinho, escrevi umas pecinhas bobas. E no Recife, eu me deparei com essa idade também, uns 10 anos de idade, com a poesia do Manoel Bandeira. Eu li um poema do Manoel Bandeira no livro do meu irmão e achei aquilo fantástico. Achei bonito. [MARCELINO] Me apaixonei! E aí eu de repente descobri que eu queria ser Manoel Bandeira. Era, porque ele dizia assim: "Criou-me, desde menino, para arquiteto meu pai. Foi-se-me um dia saúde... Fiz-me arquiteto? Não pude! Sou poeta menor, perdoai!". E eu acho, inconscientemente, que quando eu me deparei com esse poema do Bandeira e quando ele falava isso, na verdade quando minha mãe lutava para que pelo menos os mais novos estudassem, era a grande luta dela, não era para estudar para ser poeta. Nenhuma mãe quer que seu filho seja poeta! É ser arquiteto, médico, advogado. Ela queria a salvação financeira da família. Ela queria estabilidade da família. E quando eu me deparei com aquele poeta doente, sempre à sombra da morte, dizendo que não queria ser arquiteto, e descobri que ele era pernambucano e que ele falava de ruas que eu conhecia, Rua da união, Capibaribe, o rio Capibaribe, eu digo: "Eu posso ser este poeta! Eu posso ser doente igual o Manoel Bandeira. Eu não tenho saúde a oferecer pra ninguém". Então eu me encontrei. Parece que ali, a partir dali, comecei a inventar umas tosses, inventava umas tosses... e aí a partir do Manoel Bandeira eu descobri outros poetas, como João Cabral, descobri o Drummond, descobri o Mário de Andrade, e aí fui escrevendo minhas primeiras poesias, fazendo teatro, mas sentindo que a minha vocação, o que eu gostaria de trilhar, era o caminho da arte, era o caminho da doença. Era o caminho da doença. Os grandes artistas nos deixam doentes, eles não estão com a obrigação de saúde, eles nos deixam cabisbaixos, eles nos deixam, eles tiram o chão para a gente exatamente reconstruir. Eles nos limpam, né? Eles nos limpam. Eles fazem uma limpeza para que a gente possa entender um pouco o mundo, né, uma forma mais teimosa. Aprendi com minha mãe a teimosia, porque ela foi muito teimosa por ter saído de Sertânia, né. Aprendi também com esses artistas todos a teimosia. A luta do Manoel Bandeira contra a morte, o homem que viveu à sombra da morte a vida inteira e morreu com 82 anos. [MARCELINO] Comecei escrevendo para teatro, comecei produzindo peça para teatro, comecei escrevendo uns contos. Eu fiz uma oficina de literatura com o Raimundo Carreiro, ainda em Pernambuco, em uma época em que eu queria conhecer os escritores de lá. Aí fiz uma oficina de literatura com o Raimundo Carreiro, queria escrever meus primeiros contos. Ganhei um concurso de contos lá no Recife, que dava direito à publicação do livro, mas eu disse: "Ah, eu não vou...", era uma complicação, uma burocracia imensa, eu já estava indo morar em São Paulo, acabei não esperando por esse livro, então nunca tive muita paciência com editor. O primeiro editor, ainda no Recife, que me disse "Não", eu disse a ele: "Tem o direito de dizer não para mim, mas eu não tenho o direito de dizer não para mim". Então eu vim para São Paulo para publicar os meus livros, para conhecer escritores, até para voltar a escrever para teatro e tal. Cheguei em 91 em São Paulo. Só fiz trabalhar em São Paulo. Eu trabalhava como revisor em uma agência de propaganda em São Paulo, já trabalhava como revisor no Recife, comecei com trabalho de banco, trabalhei como office-boy, escriturário e depois revisor. E aí fui trabalhar, procurar editoras e agências de propaganda em São Paulo. E o curioso é que eu sempre procurava trabalho na Avenida Paulista, porque todo mundo dizia "Avenida Paulista é onde as coisas acontecem, então eu quero estar aonde as coisas acontecem!", eu já vim de longe, não vim, por que eu vou ficar longe? Então eu ficava procurando. Procurava trabalho só na Avenida Paulista. Isso é um nordestino metido danado, né? Aí eu ficava procurando ali na Avenida Paulista ou nas imediações ali. Consegui trabalhar na Avenida Paulista, em uma agência de propaganda. Consegui porque eu quis, entendeu? Porque isso modifica as coisas. A minha mãe não quis sair de onde saiu? A gente tem que querer as coisas, não é não? Aí eu me teimava, ficava ali um mês e consegui trabalhar em agência de propaganda. Mas aí São Paulo tem aquele movimento maluco e eu só fazia trabalhar muito, eu fui me cansando um pouco e eu digo: "Cadê o sonho?", a gente não pode perder, né, o sonho, a vontade que você tem de construir uma outra coisa. ♪ [MARCELINO] Quando eu fiz o meu primeiro livro, exatamente não contente com o caminho que a minha vida estava levando, né. "Então eu disse: Eu vou fazer o meu livro", ao invés de eu ficar reclamando, virar uma pessoa rancorosa, que veio para uma carreira literária, isso, e não tentou, só fez trabalhar. Eu digo: "Vou fazer o meu próprio livro". Eu trabalhava em uma agência de propaganda, o meu livro estava pronto ali, porque tinha os computadores, o protográfico, eu mesmo fiz o meu próprio livro, meu primeiro livro, que é um livro péssimo, é horrível. É um livro que serviu mais para exorcizar aqueles textos da gaveta. Que os textos olhando pra você dentro de uma gaveta é triste, porque você não vai pra frente, né, você não dá o passo seguinte. Mas foi importante para eu exatamente tirar esses textos da gaveta. Fiz esse primeiro livro, lancei em São Paulo, lancei no Recife, pagou, esse livro pagou os custos, assim, ele não tive prejuízo, foi ótimo. Depois eu estava preparando o lançamento, isso por conta própria, daí veio o selo eraOdito, daí veio o livro "eraOdito", que é o livro de frases que eu fiz para ajudar na publicação de um outro livro chamado "Angu de Sangue". Aí quando eu estava preparando o "Angu de Sangue", apareceu o crítico literário João Alexandre Barbosa, famoso crítico literário, muito conhecido, um dos grandes conhecedores da obra do João Cabral. E aí ele conheceu um texto meu e me indicou para uma editora, para a Ateliê Editorial, não só me indicou para a editora, como escreveu o prefácio do livro, como publicou esse prefácio na revista Cult, e daí o livro teve uma carreira, assim, muito curiosa, assim, muito estimulante. Daí fui publicando pela Ateliê "Balé Ralé", fui caminhando. Como eu não escrevo livro todo ano, eu não publico livro de ano em ano, então entre um livro e outro eu também costumo exercitar um pouco meu lado de agitador cultural, porque eu acredito que o escritor não pode ser só aquele... o escritor brasileiro, contemporâneo, escreve aquilo ali e já se sente o dono da cocada preta, parece que nem, entendeu, já chegou no Olimpo. O "Contos Negreiros", de 2005 ganhou o Jabuti em 2006. Eu não posso me sentir Jabuti, eu não posso me sentir, como é que eu diria? Já na consagração. Consagração onde? Em que país nós estamos, que leitores que nós temos? Então o tempo inteiro eu estou exercitando o meu lado amador também, fazendo projetos, participando de antologias, organizando eventos. Eu não me contenho. É um vexame o que me move. Eu tenho um vexame básico, que é importante, é importante para a criação, para o movimento, né. Eu não escrevo com tanta frequência, eu não gosto dessa imagem do escritor na redoma. Eu comecei, uma vez, a acordar cedo para começar a escrever, ter um hábito de escrever todo dia. Aí eu comecei a acordar, tirei umas férias, um mês, aí acordava 9 da manhã, escrevia até meio-dia. Foi legal a fase. Aí no outro dia a mesma coisa, no outro dia a mesma coisa... teve uma hora que eu digo: "Pera aí, parece que eu estou batendo ponto para escrever". Eu não consigo anotar coisas, porque eu perco o papel. Eu perco o papel. Eu comecei a anotar, eu ouvia uma frase na rua, aí eu anotava aquela frase. Parecia que eu estava fotografando, burocratizando os sentimentos, assim, o tempo inteiro. Como as pessoas hoje saem com o celular e começa a fotografar tudo. Não param para olhar o pôr do sol. Então eu comecei a perceber que eu estava burocratizando. Eu ouvia uma frase, e eu: "Não". Eu, em certo momento, eu abandonei isso e digo: "Eu vou jogar tudo no esquecimento, porque se isso for importante eu lembro". Se aquela frase de fato me tocou, eu lembro. ♪ [vinheta] ♪ ♪ [vinheta] ♪ [MARCELINO] "Não solto pomba nenhuma não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça. Uma desgraça. Carregar essa rosa. Boba na mão. Nada a ver. Vou não. Não vou fazer essa cara. Chapada. Não vou rezar. Eu é que não vou tomar a praça. Nessa multidão. A paz não resolve nada. A paz marcha. Para onde marcha? A paz é bonita na televisão. Viu aquela atriz? No trio elétrico, aquele ator? Se quiser, vá você, diacho. Eu é que não vou. Atirar uma lágrima. A paz é muito organizada. Muito certinha, tadinha. A paz tem hora marcada. Vem governador participar. E prefeito. E senador. E até jogador. Vou não". [MARCELINO] Eu escrevo porque eu escuto. Eu gosto de escutar. Eu escrevo porque eu quero me vingar. Eu escrevo porque eu quero me vingar de um governo, de um país, de um amor que foi embora. Quero me vingar! De uma saudade... e motivos não faltam para você se vingar. Abra o ouvido, abra o olho para ver o que tem motivo para você escrever. Então eu tenho que ter uma primeira frase, eu tenho que ter uma frase, porque eu não tenho história, eu vou construindo a história a partir daquela frase. É como fazer música. Por isso que os meus textos são cordelizados, são meio cantados. A casa nordestina é muito barulhenta. Barulhenta no bom sentido, é muito cheia de sons. A minha mãe já acorda cantando. Quando ela está com dinheiro, até hoje, ela está com 85 anos, mora no Recife, até hoje ela acorda cantando. Se ela tá com dinheiro, ela canta. Digo: "A velha tá com dinheiro", ela fica cantando Luiz Gonzaga na cozinha, sabe? Quando ela tá sem dinheiro, aquele aperrio todo, ela bate na panela, ela chuta a galinha, sabe? Ela não se contém. Então de alguma forma o que eu escrevo é batendo panela no juízo do leitor. Eu tenho esses sons, essas perturbações, essa movimentação da casa. Eu escrevo dentro desses sons, assim. Urgência, vingança, urgência. Eu não sou... as pessoas podem me acusar de tudo, menos de que eu seja frígido. Eu não sou um escritor frígido. Eu não sou um escritor que mora em Paris e está comendo croissant, e o mundo à sua volta se acabando. Nosso mundo tá doente, tá ruim o negócio. Então eu sou um escritor do meu tempo. Infelizmente o meu tempo está dessa maneira. Então eu de alguma forma exorcizo, eu quero me vingar, eu quero entender esse meu tempo. Eu quero saber onde, por que as coisas estão da maneira que estão. "Ah, mas você escreve muito sobre violência", eu escrevo sob violência. Sob. Eu sofro, eu sou afetado por isso. Eu não consigo estar alheio a isso. Então, de alguma forma, os meus textos repercutem isso. Eu gostaria muito de escrever, cá pra nós, sobre outros assuntos, outros assuntos. Não consigo, porque quando eu estou escrevendo sobre outros assuntos ali, o devaneio, coisas mais leves, aí vem a realidade a toda hora cobrar, eu não digo o meu compromisso, mas o meu ouvido, não é, cobrar o meu ouvido. Falam muito também "Por que você escreve sobre pessoas malsucedidas?", pessoas bem-sucedidas não me interessam. Quem está preocupado com gente bem-sucedida é escritor de livro de autoajuda. Quando ele não está preocupado com gente bem-sucedida, ele está vendendo felicidade, "Seja feliz em dez lições", quando a vida só precisa de meia rasteirinha para te... "Como ganhar dinheiro em dez lições", você já começa a perder dinheiro comprando um livro desse. Não é? Então quem quiser felicidade, alguma coisa, procura outro livro. Por isso que eu acho que a literatura é tão rica! Te incentiva a procurar outros autores, não vá procurar por mim. Os artistas que me desconsertaram, me ajudaram muito a viver, a teimar. O Manoel Bandeira, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, Julio Cortázar, escritor argentino importantíssimo. Eu gosto dos cinemas viscerais também, você vai para um cinema... eu lembro quando eu assisti "Laranja Mecânica", aquilo me desconsertou. Eu gosto das coisas que tirem todas as minhas convicções, que eu possa reformular o meu pensamento. Eu gosto muito do artista que diz logo o que quer e vai embora, entendeu? Não encha o saco do leitor. [MARCELINO] Eu gosto muito de pensar o escritor também como um agente transformador, interferir na geografia das coisas. Jogar pedras na paisagem, como diz Manoel de Barros. Então se eu escrevo um livro de três em três anos, está lá com meu livro, a minha obra está ali, terminou, não escrevo tanto, então vamos fazer outros projetos. Aí eu faço uma antologia, organizo a Balada Literária. Agora me pergunte, como é que eu faço esses eventos? Enquanto outras pessoas fazem com um milhão, eu faço com humilhação, porque eu vou lá e peço, eu ligo para os escritores, ligo para as editoras. Peço, peço passagem, peço tudo. Eu estou para escrever há um tempinho esse projeto na lei de incentivo, essas coisas, mas eu tenho uma preguiça, olha que preguiça danada que eu tenho para esse negócio. Pega documento, vai daqui, alguém tem que fazer isso pra mim. Como ainda não aparece, aí... eu faço por teimosia, eu faço porque eu acredito que o escritor, escritor trancado, trancafiado o tempo inteiro não é bom para o juízo dele, não. Admiro quem faça isso, mas eu tenho uma inquietação básica, uma vontade de realizar as coisas. A gente tem que lembrar, sempre falo, que eu sou um escritor contemporâneo, no Brasil. E outra: em um tempo em que... que importância tem um escritor diante de tanta coisa que tem acontecido? Hoje, para você, para uma pessoa pegar um livro seu, tem que abandonar a internet. Hoje a pessoa tem 1.500 músicas que a pessoa carrega dentro do bolso, celular que apita, toca, tira fotografia, faz barba... não é verdade? DVD. Você leva o cinema, mas você leva o making-off, você leva a entrevista, você leva extras, extras e extras. Tudo hoje é mais. Tudo é mais, não é? Aí a pessoa vai abandonar todos esses apelos para pensar em entrar em uma livraria, para procurar um livro. Ele não vai procurar meu livro, ele vai procurar aqueles autores que ele já ouviu. Depois de eles todos... "Ah, eu vou pegar um livro ali na livraria", sorte dele se encontrar um livro meu! E sorte, veja bem, ele chega na estante de um autor contemporâneo, que ele nunca ouviu falar, pega o meu livro e leva esse livro para casa. É um milagre! Então por isso que eu tenho que batalhar o tempo inteiro. Eu tenho que lembrar que eu sou escritor. E aí, para isso, eu preciso estar movimentando a cena literária, eu preciso estar viajando. Onde me convida eu vou, entendeu? Se me convida para um velório, eu vou. Eu já pensei em um circuito literário nos velórios. Porque o pessoal passa às vezes é uma noite inteira ali, e tem uma saudade, um movimento propício ali, porque a pessoa está com saudade de um ente querido, do marido que está indo embora, aí você lê uma poesia bonita do Vinícius de Moraes, aí todo mundo cai no choro. Aquilo... [risos] ♪ [MARCELINO] "''O quê?'', ''A culpa é do carro'', ''Hã?'', ''Do carro'', ''A culpa é do carro?'', ''Sim, não vê?'', ''O quê?'', ''A guerra na Arábia Saudita, na Cochinchina, sei lá. A culpa é do carro. Do combustível. Do petróleo. Do gás. Da gasolina'', ''Agora mais essa...'', ''Da guerra. Sim, da guerra. Da carnificina. Por que é que eles brigam, meu caro? Por causa do carro. Entendeu? A roda nos fodeu. Antes a gente tivesse no tempo do jumento. Até o jumento virou moto. Não viu? Um dia saiu na televisão'', ''Eu acho que você está ficando doido'', ''A culpa é do carro, meu irmão''". "''Olha aí: por que você acha que o pessoal queima ônibus, camburão, foguete? Eu sei. E explico: é porque querem atacar a cidade. Entende? Pela sua fina sensibilidade. É onde a sociedade dói. Fica assustada quando vê um monte de corpo queimado, lá dentro. No inferno. Gente carbonizada. Chamuscada. Tanto aqui como na França. Morre até criança. Culpa do carro. Do carro, do carro. Este monstro. O aquecimento global, de onde vem? O degelo? O fim da Amazônia, pensa bem''. ''Juro. Eu estou ficando com medo deste discurso, sem fim. Sei não. Você já procurou um psicólogo? Sua mãe, o que acha? Seu pai? Sua tia? Sua namorada?'', ''Acabei o namoro, não sabia?'', ''Com a Marília?'', ''É. Por causa do carro'', ''Puta que pariu! Vai tomar no... você está me enchendo o saco'', ''Foi o que a Marília me falou. Assim, na lata. Pô. Falou da potência. Achava a minha Brasília muito devagar. Quase parando. Tinha vergonha de entrar. Nem no estofamento me beijava. A gente não fazia amor. Por causa dele. Do carro, caralho! Faltava tesão para se jogar nos meus braços. Ela queria outro destino. Dizia que seu corpo nu, lindo, lindo, não combinava com pneu careca. Com o meu descuido. Esta minha vontade de mudar o mundo. Ela não entendeu, pô! Como você ainda não se ligou. O tanto que o carro está destruindo o ser humano. Já estamos, faz tempo, por um triz, na corda-bamba, no meio-fio. Por causa de quem, me diz. Este meu coração que não bate bem', ''Chega, chega, chega, chega'', ''Quem disse que adianta buzinar, hein? Não sabe? Não lembra? Não viu? Estamos no Brasil'', Puta que pariu! Tá, tá, vou indo...'', ''Para onde? Não vê que está vermelho? Quem disse que o sinal abriu?''". ♪