*T 00:00:03:02 ∫ *T 00:00:11:21 ∫ *T 00:00:17:19 ∫ *T 00:00:34:16 [Mulher] Você está fazendo *T 00:00:36:01 uma música muito influenciada *T 00:00:38:10 das raízes africanas. *T 00:00:40:13 De negócio africano? *T 00:00:42:09 Ah, eu não... No momento, assim... *T 00:00:44:12 [Mulher] Não? *T 00:00:45:06 - [Clementina] O "Aqui có"? - [Mulher] Sim, se queira. *T 00:00:47:07 ∫ Aqui có no terreiro, Ô pelu, adié ∫ *T 00:00:49:13 ∫ Faz inveja a esta gente Que não tem mulher ∫ *T 00:00:52:25 ∫ Aqui có no terreiro, Ô pelu, adié ∫ *T 00:00:55:03 ∫ Faz inveja a esta gente Que não tem mulher ∫ *T 00:00:58:26 ∫ No Jacutá de Preto Velho, Há uma festa de Yaô ∫ *T 00:01:03:12 ∫ No Jacutá de Preto Velho, Há uma festa de Yaô ∫ *T 00:01:08:03 ∫ Oi, tem nega de Ogum De Oxalá, de Iemanjá ∫ *T 00:01:11:26 ∫ Mucamba de Oxossi É caçador ∫ *T 00:01:14:04 ∫ Ora viva Nanã, Nanã Borocô ∫ *T 00:01:16:11 ∫ Mucamba de Oxossi É caçador ∫ *T 00:01:18:18 ∫ Ora viva Nanã, Nanã Borocô ∫ *T 00:01:22:13 ∫ Yo, yooo ∫ *T 00:01:27:00 ∫ Yo, yooo ∫ *T 00:01:31:15 ∫ No terreiro de Preto Velho, iaiá ∫ *T 00:01:34:25 ∫ Vamos Saravá, A quem meu pai? ∫ *T 00:01:38:05 ∫ Xangô! ∫ *T 00:01:40:19 ∫ No terreiro de Preto Velho, iaiá ∫ *T 00:01:43:25 ∫ Vamos Saravá, A quem meu pai? ∫ *T 00:01:46:26 ∫ Xangô! ∫ *T 00:01:48:26 ∫ Aqui có no terreiro, Ô pelu, adié ∫ *T 00:01:50:26 ∫ Faz inveja a esta gente Que não tem mulher ∫ *T 00:01:53:09 ∫ Aqui có no terreiro, Ô pelu, adié ∫ *T 00:01:55:11 ∫ Faz inveja a esta gente Que não tem mulher ∫ *T 00:01:58:24 ∫ No Jacutá de Preto Velho, Há uma festa de Yaô ∫ *T 00:02:02:23 ∫ Oi, tem nega de Ogum De Oxalá, de Iemanjá ∫ *T 00:02:06:16 ∫ Mucamba de Oxossi É caçador ∫ *T 00:02:08:18 ∫ Ora viva Nanã, Nanã Borocô ∫ *T 00:02:10:26 ∫ Mucamba de Oxossi É caçador ∫ *T 00:02:12:25 ∫ Ora viva Nanã, Nanã Borocô ∫ *T 00:02:16:23 ∫ Yo, yooo ∫ *T 00:02:21:02 ∫ Yo, yooo ∫ *T 00:02:25:12 ∫ No terreiro de Preto Velho, iaiá ∫ *T 00:02:28:22 ∫ Vamos Saravá, A quem meu pai? ∫ *T 00:02:31:27 ∫ Xangô! ∫ *T 00:02:34:06 ∫ No terreiro de Preto Velho, iaiá ∫ *T 00:02:37:17 ∫ Vamos Saravá, A quem meu pai? ∫ *T 00:02:40:18 ∫ Xangô! ∫ *T 00:02:50:05 [Palmas] *T 00:02:57:13 [Tic-tac do relógio] *T 00:03:03:26 [Clementina] Minha avó chamava-se Teresa Mina, *T 00:03:07:11 Teresa Mina, tia Teresa Mina, *T 00:03:09:06 conhecida por tia Teresa Mina, *T 00:03:10:19 e meu avô era Abraão. *T 00:03:12:22 [Homem] E eles eram escravos, foram escravos os seus avós? *T 00:03:16:14 Por parte da minha mãe, sim. Não eram bem... *T 00:03:20:12 Era assim, como tratavam assim, mucamas, né? *T 00:03:24:19 Tratavam da... *T 00:03:27:05 Das filhas da sinhá, aquelas coisas. *T 00:03:29:16 Isso minha avó contava. *T 00:03:31:10 Quando era pequenininha, ela contava lá para mim. *T 00:03:50:04 [Água corrente] *T 00:04:09:15 [Homem] Como é que você aprendeu a cantar? *T 00:04:10:20 O que você fazia, como é que ela ensinava você? *T 00:04:13:06 [Clementina] Ela estava, por exemplo, lavando roupa, né? *T 00:04:15:12 E eu ficava ali perto, escutava, *T 00:04:18:12 ela estava lavando roupa e cantando, *T 00:04:20:01 eu ficava ali perto apreciando. *T 00:04:22:08 De vez em quando, falava assim: "Tina!", *T 00:04:24:03 eu dizia: "Senhora!", "Vai acender esse cachimbo". *T 00:04:25:27 E eu ia acender o cachimbo para ela. *T 00:04:27:29 Botava fumo no cachimbo, acendia e trazia para ela, *T 00:04:31:20 e ela estava cantando, sabe como é? *T 00:04:34:09 Assim que eu aprendi umas coisinhas, *T 00:04:35:15 umas coisinhas gostosas que ela cantava, *T 00:04:37:11 ela cantava muito era isso... *T 00:04:39:22 ∫ Eu quero cercar paca, meu mano ∫ *T 00:04:44:26 ∫ Na tria que passa cotia ∫ *T 00:04:49:07 ∫ Cachorro que engole osso Ora, vejam só ∫ *T 00:04:52:13 ∫ É porque sabem que ele fia ∫ *T 00:04:55:25 ∫ Cantarolando ∫ *T 00:05:02:20 ∫ Oi, cachorro que engole osso ∫ *T 00:05:04:12 ∫ Ora, vejam só ∫ *T 00:05:05:27 ∫ É porque sabem que ele fia ∫ *T 00:05:11:22 [Ruídos da natureza] *T 00:05:23:19 Aqui meus pais, tio *T 00:05:27:07 e muita gente fugiu do cativeiro. *T 00:05:31:18 Meu avô foi comprado em São Paulo *T 00:05:35:26 e meu pai veio garotinho na companhia. *T 00:05:41:01 Meu pai era baiano *T 00:05:44:27 e minha avó era africana. *T 00:05:52:09 E eles compravam e revendiam os negros. *T 00:05:57:06 Aí o capataz esqueceu o portão aberto. *T 00:06:03:19 Aí eles "fugiu" tudo. *T 00:06:06:01 Aí fugiu, e aqui era tudo mato. *T 00:06:09:29 Tinha um fazendeiro aqui, que era o seu Teófilo, *T 00:06:14:29 disse que aí ele recebeu e eles ficaram aí. *T 00:06:18:19 Acabou o cativeiro e eles continuaram aqui. *T 00:06:25:06 Eu nasci no estado do Rio, Valença, sou valenciana, *T 00:06:27:12 do estado do Rio. *T 00:06:29:03 Aliás, nasci, estou com 70 anos, meu filho, *T 00:06:34:20 calcula aí, faz o cálculo, *T 00:06:35:27 mexe aí, vê lá quanto é que está o negócio lá que dá, *T 00:06:39:03 no fim dá certo. *T 00:06:39:28 -[Homem] Deixa isso pra lá, né? -[Clementina] Deixa isso pra lá. *T 00:06:42:22 [Canto dos pássaros] *T 00:06:57:06 [Luiz Antonio Simas] Valença foi o maior *T 00:06:58:10 município escravocrata que a gente teve *T 00:07:00:15 durante o ciclo do café. *T 00:07:02:08 Então a escravidão, ela está entranhada *T 00:07:04:10 na história de Valença de uma forma muito intensa. *T 00:07:07:09 Agora, é o tal negócio, *T 00:07:08:09 a tragédia da história de Valença é a tragédia, *T 00:07:11:06 é a catástrofe da escravidão, *T 00:07:13:01 mas, ao mesmo tempo, você tem uma cultura potente *T 00:07:15:27 do Vale do Paraíba que faz isso. *T 00:07:20:09 O rio Paraíba do Sul, *T 00:07:21:24 ele representa para o Rio de Janeiro *T 00:07:23:13 o que o Mississipi representa *T 00:07:24:26 para os Estados Unidos. *T 00:07:26:25 O que o Mississipi representa *T 00:07:28:28 como o berço do jazz, como o berço do blues, *T 00:07:32:05 o Paraíba representa em relação a música carioca, *T 00:07:36:08 e Clementina é do Vale do Paraíba. *T 00:07:39:03 E os sons do Vale do Paraíba são os sons que trazem *T 00:07:41:24 essa memória ancestral da escravidão, então... *T 00:07:44:26 Muito obrigado! *T 00:07:45:22 Então ela traz essa memória ancestral *T 00:07:47:25 de uma maneira muito vigorosa *T 00:07:49:09 e ela vira uma portadora dessa memória ancestral *T 00:07:52:23 naquele sentido de ancestralidade *T 00:07:54:17 entre os povos bantos, *T 00:07:56:02 aquele sentido em que você ouve dos mais velhos, *T 00:07:58:29 conta para os mais novos para que os mais novos *T 00:08:01:06 um dia contem a sua história, *T 00:08:03:02 e aí você permanece. *T 00:08:05:04 O que você está sonhando hoje, *T 00:08:07:04 o que você está querendo? *T 00:08:08:17 Hoje eu estou querendo é liberdade. *T 00:08:12:06 A liberdade... *T 00:08:15:09 Nós precisamos muito da liberdade. *T 00:08:18:06 ∫ Salve a princesa Isabel ∫ *T 00:08:23:06 ∫ Deu liberdade à cor ∫ *T 00:08:27:28 ∫ Foi no dia 13 de maio ∫ *T 00:08:35:09 ∫ Preto não é mais lacaio ∫ *T 00:08:39:21 ∫ Preto não tem mais senhor ∫ *T 00:08:43:27 ∫ Foi no dia 13 de maio ∫ *T 00:08:51:25 ∫ Preto não é mais lacaio ∫ *T 00:08:56:08 ∫ Preto não tem mais senhor ∫ *T 00:08:59:24 E é aí que você redefine todo o legado, *T 00:09:02:17 toda a tradição, *T 00:09:03:12 toda a carga cultural espantosa, *T 00:09:07:03 maravilhosa que traz Clementina de Jesus. *T 00:09:10:02 É entender realmente a pessoa escravizada *T 00:09:12:12 como sujeita de sua própria história *T 00:09:14:27 e não como uma ferramenta mercantil *T 00:09:17:08 a serviço da economia colonial. *T 00:09:19:22 ∫ Tava "durumindo" cangoma me chamou ∫ *T 00:09:25:17 ∫ Eu tava "durumindo" cangoma me chamou ∫ *T 00:09:30:09 ∫ E disse: "levanta povo cativeiro já acabou" ∫ *T 00:09:34:08 ∫ Disse: "levanta povo cativeiro já acabou" ∫ *T 00:09:38:06 [Tambor] *T 00:09:49:21 ∫ Tava durumindo cangoma me chamou ∫ *T 00:09:53:14 ∫ Tava durumindo cangoma me chamou ∫ *T 00:09:56:23 ∫ Disse: "levanta povo cativeiro já acabou" ∫ *T 00:10:00:15 ∫ Disse: "levanta povo cativeiro já acabou" ∫ *T 00:10:04:26 ∫ Cantarolando ∫ *T 00:10:11:15 ∫ Disse: "levanta povo cativeiro já acabou" ∫ *T 00:10:15:03 ∫ Disse: "levanta povo cativeiro já acabou" ∫ *T 00:10:20:19 ∫ Tambor ∫ *T 00:10:22:16 ∫ Tava "durumindo" cangoma me chamou ∫ *T 00:10:26:01 Sabe o que é cangoma? *T 00:10:28:24 É um tamborzinho. *T 00:10:30:15 Essa palavra é do universo da língua do grupo banto, *T 00:10:34:28 "Ng’oma", "Ng’oma", *T 00:10:36:21 virou "Angoma" no Brasil, quer dizer tambor. *T 00:10:40:26 [Tambor] *T 00:10:48:19 ∫ Oh Tia Maria Oh Tia Maria ∫ *T 00:10:56:08 ∫ Oh Tia Maria Oh Tia Maria ∫ *T 00:11:04:23 ∫ Tia Maria sabe como é ∫ *T 00:11:08:24 ∫ Ter que acordar para fazer café ∫ *T 00:11:12:27 ∫ Tia Maria sabe como é ∫ *T 00:11:16:29 ∫ Ter que acordar para fazer café ∫ *T 00:11:20:19 ∫ Oh Tia Maria Oh Tia Maria ∫ *T 00:11:34:28 - A benção! - Deus te abençoe! *T 00:11:39:02 [Risos] *T 00:11:44:12 [Cacarejo] *T 00:11:55:12 Eles falam Caxambu, *T 00:11:57:22 Tambu, *T 00:11:59:15 Jongo, *T 00:12:02:02 mas são *T 00:12:04:13 da mesma família. *T 00:12:08:19 Tambu já vem dos tempos dos cativeiros. *T 00:12:13:02 E aquilo é que aliviava o escravo *T 00:12:18:26 um bocado do cativo, né? *T 00:12:23:13 Aí tirava Jongo, cantava, *T 00:12:27:11 aí os senhores e os capatazes, *T 00:12:30:13 aí ficavam bobos de ver os negros dançando. *T 00:12:35:04 Minha mãe era dona Amélia, era rezadeira. *T 00:12:37:06 Rezadeira, cantava Jongos, *T 00:12:39:10 cada Jongo bonito que ela cantava. *T 00:12:41:12 Deixa eu ver se eu me lembro agora de um jonguinho *T 00:12:42:29 que a mamãe cantava. *T 00:12:46:00 [Canto afro] *T 00:12:56:00 Ela cantava esses jongos assim, *T 00:12:58:22 outras coisas mais gostosas que ela cantava, *T 00:13:01:08 muitas coisas bonitas. *T 00:13:05:25 ∫ Oxi você queria ela, êêê ∫ *T 00:13:09:17 ∫ Ela não corre perigo ∫ *T 00:13:13:00 ∫ Pois é moda nova agora Ora, vejam só ∫ *T 00:13:15:26 ∫ Pegar mulher na feira livre ∫ *T 00:13:19:06 ∫ Pois é moda nova agora Ora, vejam só ∫ *T 00:13:22:06 ∫ Pegar mulher na feira livre ∫ *T 00:13:25:01 Tudo isso é Jongo. *T 00:13:27:00 Quanto mais a gente tira Jongo *T 00:13:30:17 mais "alembra" do passado. *T 00:13:33:18 Nosso avô deixou pro pai, *T 00:13:37:06 nosso pai deixou pra gente, *T 00:13:39:04 a gente vai deixar pro filhos *T 00:13:41:07 e os filhos pros netos, bisnetos... *T 00:13:44:17 Isso nunca acaba. *T 00:13:46:08 [Tambor] *T 00:13:47:19 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:13:50:17 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:13:53:29 ∫ Senhor da pedreira, benza essa fogueira ∫ *T 00:14:00:26 ∫ Além da fogueira, ajuda todos os irmãos ∫ *T 00:14:06:05 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:14:09:17 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:14:13:10 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:14:16:08 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:14:19:11 ∫ Senhor da pedreira, benza essa fogueira ∫ *T 00:14:26:03 ∫ Além da fogueira, ajuda todos os irmãos ∫ *T 00:14:31:14 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:14:34:25 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:14:38:09 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:14:41:23 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:14:44:29 ∫ Senhor da pedreira, benza essa fogueira ∫ *T 00:14:51:21 ∫ Além da fogueira, ajuda todos os irmãos ∫ *T 00:14:57:11 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:15:00:13 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:15:03:18 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:15:07:10 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:15:10:21 ∫ Senhor da pedreira, benza essa fogueira ∫ *T 00:15:17:16 ∫ Além da fogueira, ajuda todos os irmãos ∫ *T 00:15:22:28 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:15:25:27 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:15:29:11 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:15:32:22 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:15:35:28 ∫ Senhor da pedreira, benza essa fogueira ∫ *T 00:15:42:10 ∫ Além da fogueira, ajuda todos os irmãos ∫ *T 00:15:47:27 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:15:50:19 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:15:53:26 ∫ Eu fui na mata buscar a lenha ∫ *T 00:15:57:06 ∫ Eu passei na cachoeira, molhei a mão ∫ *T 00:15:59:28 Na roda de Jongo, a gente criança não dançava, *T 00:16:02:10 só os adultos. *T 00:16:04:05 Só os adultos que dançavam, a gente não. *T 00:16:07:03 [Luciene] Então raramente a senhora também viu eles *T 00:16:09:00 dançarem, que não podia nem ficar perto, né? *T 00:16:10:24 Não, a gente não. *T 00:16:12:24 A gente não dançava, *T 00:16:14:01 só os mais velhos que dançavam. *T 00:16:15:14 [Luciene] Aí, no caso, ele dançava. *T 00:16:16:23 O meu avô, minha vó dançavam *T 00:16:18:14 e vocês tinham que ficar mais afastados? *T 00:16:20:21 Afastados. *T 00:16:21:19 Depois que os outros foram morrendo, *T 00:16:23:23 passou para Mãe Ferina, aí a Mãe Ferina *T 00:16:26:23 é que já foi deixando as pessoas dançarem, *T 00:16:29:06 ensinando a gente que era criança, *T 00:16:31:12 aí ensinava um por um a dançar. *T 00:16:33:03 Eles falam que pelo negro fazer uma roda de Jongo, *T 00:16:36:20 estar lá cantando e dançando, *T 00:16:39:03 aí de repente era o único momento *T 00:16:40:19 que os senhores não, não tinha... *T 00:16:43:23 Era um momento deles, né? *T 00:16:45:11 O senhor da fazenda pensava: *T 00:16:46:18 "Ah, eles estão lá batendo aquilo lá, deixa para lá", *T 00:16:48:16 mas não era, aquele momento ali *T 00:16:49:24 eles estavam se fortalecendo. *T 00:16:51:29 E a senhora tem lembranças da primeira música de Jongo *T 00:16:54:20 que, assim, na roda de Jongo, *T 00:16:55:25 a senhora lembra lá atrás com a minha avó Martinha, *T 00:16:58:21 com meu vô, que a senhora aprendeu, *T 00:17:00:20 pelo menos ouviu, assim, eles cantando, *T 00:17:02:07 que ficou marcado na memória? *T 00:17:04:15 O que eu gosto mais, que ela cantava aquele... *T 00:17:06:23 Aquele que a pessoa canta assim. *T 00:17:08:07 ∫ Oh, gente Nasci na Angola ∫ *T 00:17:11:10 ∫ Angola que me criou ∫ *T 00:17:14:08 ∫ Eu sou neto de Moçambique ∫ *T 00:17:16:15 ∫ Meu Deus do céu ∫ *T 00:17:17:28 ∫ Eu sou negro, Sim, senhor ∫ *T 00:17:20:06 Eu gosto mais daquele. *T 00:17:22:07 [Luciene] Aí fica na sua lembrança, né? *T 00:17:23:24 Aí fica. Eu "alembro" dela, sabe? *T 00:17:27:11 Aí eu "alembro" dela. *T 00:17:28:27 ∫ Oh, gente Nasci na Angola ∫ *T 00:17:32:01 ∫ Angola que me criou ∫ *T 00:17:35:08 ∫ Eu sou neto de Moçambique ∫ *T 00:17:36:29 ∫ Ai, Meu Deus do céu ∫ *T 00:17:38:14 ∫ Eu sou negro, sim, senhor ∫ *T 00:17:41:23 ∫ Cantarolando ∫ *T 00:17:54:11 ∫ Oh, gente Nasci na Angola ∫ *T 00:17:57:27 ∫ Angola que me criou ∫ *T 00:18:01:01 ∫ Eu sou neto de Moçambique ∫ *T 00:18:03:03 ∫ Ai, Meu Deus do céu ∫ *T 00:18:04:21 ∫ Eu sou negro, sim, senhor ∫ *T 00:18:06:25 [Luiz Antonio Simas] A diáspora é um fenômeno que fragmenta tudo. *T 00:18:09:21 Ela quebra a sociabilidade, ela quebra a identidade, *T 00:18:13:02 ela quebra o espírito comunitário, *T 00:18:15:00 você perde tudo isso. *T 00:18:16:24 Mas as culturas da diáspora *T 00:18:19:27 reconstroem tudo isso. *T 00:18:22:06 Então, se você para pra analisar as culturas *T 00:18:24:18 da diáspora africana no Rio de Janeiro, *T 00:18:26:16 todas as manifestações da diáspora são comunitárias. *T 00:18:30:02 É a roda de capoeira, é a roda de Jongo, *T 00:18:33:09 é o terreiro de Candomblé, o terreiro de Omolokô, *T 00:18:35:23 é o terreiro de Umbanda, *T 00:18:37:11 e a escola de samba faz parte desse processo. *T 00:18:40:03 ∫ Samba ∫ *T 00:18:46:29 [Clementina] Cartolinha me convidou para "mim" fazer, *T 00:18:49:22 para "mim" formar um bloco lá em Oswaldo Cruz. *T 00:18:53:12 [Homem] Como era o nome desse bloco? *T 00:18:55:01 [Clementina] Era... Primeiro era Come-Mosca. *T 00:18:58:06 Realmente, desse bloco, *T 00:19:00:06 daí para frente foi que saiu *T 00:19:03:20 a senhora Portela. *T 00:19:05:04 Aí depois apareceu o Paulo do Come-Mosca, *T 00:19:07:16 Paulo era garoto, *T 00:19:08:08 Paulo da Portela era garoto ainda, *T 00:19:09:20 escurinho, muito cantador, aquela voz bonita, muito... *T 00:19:14:16 Aí eu estava nesse bloco. *T 00:19:16:23 Nesse bloco formaram a Portela *T 00:19:20:14 e aí me chamaram pra ir lá, ir para Portela. *T 00:19:22:29 Aí já fui eu para Portela. *T 00:19:25:25 ∫ Samba ∫ *T 00:19:30:09 Paulo era um creoulinho espigadinho, alto, *T 00:19:33:05 sempre muito chique, muito bem arrumado, *T 00:19:35:24 muito falante, muito educado, *T 00:19:37:29 de uma educação sem limite. *T 00:19:42:00 A Portela, justamente. *T 00:19:43:25 Era um dos... Foi um dos fundadores da Portela, *T 00:19:46:08 justamente foi um... Garoto naquele tempo, *T 00:19:49:19 era muito bom mesmo, muito bom mesmo. *T 00:19:53:18 Tem diversos pagodes dele bonitos. *T 00:19:57:04 Lembro, peraí. *T 00:19:58:23 ∫ *T 00:20:00:16 - Não é isso? -[Vozes ao fundo] Vai! *T 00:20:02:22 ∫ Orgulho, hipocrisia, vaidade e nada mais ∫ *T 00:20:07:01 ∫ São três coisas ∫ *T 00:20:08:06 ∫ Que em menos de um segundo se desfazem ∫ *T 00:20:13:10 ∫ O mundo é mesmo assim Cheio de ilusão ∫ *T 00:20:17:22 ∫ Na arte de convencer meu coração ∫ *T 00:20:22:13 ∫ A vida mal vivida é ilusão ∫ *T 00:20:27:07 ∫ Vaidade nunca fez bem a ninguém ∫ *T 00:20:32:02 ∫ É tudo hipocrisia, orgulho e nada mais ∫ *T 00:20:37:04 ∫ A vida que passou não volta mais ∫ *T 00:20:41:22 ∫ Orgulho, hipocrisia, vaidade e nada mais ∫ *T 00:20:46:06 ∫ São três coisas ∫ *T 00:20:47:20 ∫ Que em menos de um segundo se desfazem ∫ *T 00:20:52:24 ∫ O mundo é mesmo assim Cheio de ilusão ∫ *T 00:20:57:05 ∫ Na arte de convencer meu coração ∫ *T 00:21:02:00 ∫ Na arte de convencer meu coração ∫ *T 00:21:06:24 ∫ Na arte de convencer meu coração ∫ *T 00:21:10:22 [Ruídos urbanos] *T 00:21:33:23 Vovó Clementina, *T 00:21:34:21 a senhora sente muita saudade do vovô Pé Grande? *T 00:21:37:24 Sinto, minha filha. *T 00:21:40:01 Como eu não sinto? *T 00:21:41:01 Então não tem que ter saudade do teu avô? *T 00:21:45:05 E muito até, minha filha. *T 00:21:49:01 Você se casaria novamente? *T 00:21:51:14 Não! Não, minha filha! O que é isso? *T 00:21:54:13 De jeito nenhum! *T 00:21:56:29 Sou uma viúva fiel ao meu digníssimo marido até o fim. *T 00:22:03:23 [Ruídos urbanos] *T 00:22:05:22 [Bira] Eu cansei de ver, eu moleque, *T 00:22:07:08 minha avó e meu avô vindo, *T 00:22:09:00 ele de calça verde, blusa rosa, *T 00:22:12:19 ela com a baiana, os dois, um segurando o outro. *T 00:22:16:04 Os dois adoravam uma cerveja, *T 00:22:17:22 aí vinha um apoiando o outro. *T 00:22:20:14 E nunca tiveram uma confusão, *T 00:22:21:24 eu nunca presenciei *T 00:22:22:25 uma discussão entre meu avô e minha avó, *T 00:22:25:06 uma briga, nada, nada. *T 00:22:28:09 Aí vinha os dois assim abraçado um com o outro, *T 00:22:30:19 tipo apoiando mesmo, tipo uma pilastra que funcionava, *T 00:22:35:13 se um saísse dali, o outro cairia. *T 00:22:38:11 E vinham, chegavam em casa tranquilo, *T 00:22:39:27 tomava seu banho, deitava e dormia. *T 00:22:42:13 E a dona Clementina era mais velha do que ele *T 00:22:45:17 acho que uns 10, 12 anos, por aí. *T 00:22:48:01 E eles eram apaixonadíssimos mesmo, mesmo! *T 00:22:52:09 O maior amigo que eu tive na minha vida, entendeu? *T 00:22:57:20 Adorava demais! *T 00:22:59:12 E ele gostava muito de mim, era muito meu amigo mesmo. *T 00:23:02:06 Eu desde que... *T 00:23:05:22 me casei, *T 00:23:06:24 nunca mais eu fui senhora de... *T 00:23:09:06 desde que conheci ele, *T 00:23:11:20 como senhora de levantar de manhã cedo *T 00:23:12:27 para fazer um café. *T 00:23:14:28 Meu café é levadinho na cama, *T 00:23:16:25 era bom, bom demais mesmo! *T 00:23:19:12 Eu queria que todos os maridos agora *T 00:23:21:09 fossem assim como foi, *T 00:23:23:02 como era o meu, meu Pé Grande. *T 00:23:27:14 Só tinha tamanho e valentia. *T 00:23:29:17 Na rua, não levava isso para casa, não. *T 00:23:33:22 Era mesmo um machão. *T 00:23:35:14 Mas agora, como marido, dentro de casa, *T 00:23:37:18 era um boboca. *T 00:23:38:20 [Bira] Ela estava sentada ali, *T 00:23:39:28 nós ficávamos brincando aqui dentro, aqui, *T 00:23:41:20 correndo para um lado e para o outro. *T 00:23:43:14 Ela tinha também esse lado, *T 00:23:44:18 ela não era só *T 00:23:47:17 a patrocinadora nossa, *T 00:23:49:18 ela não era só artista, ela também tinha esse lado: *T 00:23:52:06 "Vambora passear". *T 00:23:53:12 A gente vinha pra cá, passeava, ficava. *T 00:23:57:04 Mas antes disso tudo, ainda antes de vir para cá, *T 00:23:59:03 todos os dias, quando a gente vinha para cá *T 00:24:01:02 ou, às vezes, quando eles iam sair, *T 00:24:03:19 ela esquentava toda a comida da janta, *T 00:24:07:04 aí o Albino Pé Grande *T 00:24:08:19 botava aquela comida toda numa panela, *T 00:24:12:16 ele no meio, com a panela, a Vera do lado esquerdo, *T 00:24:14:26 eu do lado direito ou vice-versa. *T 00:24:17:02 Ele botava duas colheres na boca dele, *T 00:24:18:18 uma na minha, outra na da Vera. *T 00:24:20:00 A gente comia aquela comida toda da noite, *T 00:24:22:15 ele requentava aquela comida toda. *T 00:24:24:24 O nosso café da manhã era esse, *T 00:24:26:11 não tinha café da manhã, pão, leite. *T 00:24:29:05 Na maioria das vezes, *T 00:24:30:15 o café da manhã era esse, era comida. *T 00:24:33:03 Isso tudo aconteceu aqui, *T 00:24:34:02 nessa rua que nós vamos entrar agora. *T 00:24:36:18 Hoje aqui, aonde ela morava, *T 00:24:38:29 na vila aqui, hoje é uma oficina, *T 00:24:42:21 mas aqui que tudo começou. *T 00:24:47:07 Aqui eu nasci, aqui eu fui criado... *T 00:24:52:12 E aqui, aqui essas casas antigas, *T 00:24:54:23 todas essas casas "é" da época dela, todas. *T 00:24:57:29 Aqui era o número 41. *T 00:25:00:29 Hoje está totalmente diferente, é uma oficina. *T 00:25:03:12 A gente morava aqui do lado, *T 00:25:04:13 aqui mesmo, do lado esquerdo. *T 00:25:06:18 Entrava na vila, pra direita, pra esquerda. *T 00:25:09:19 - [Mulher] A gente salta um pouquinho, Bira? *T 00:25:11:03 - A casa dela é maior. Vocês que sabem. Vamos lá! *T 00:25:15:10 Marcão! *T 00:25:17:28 Tem cachorro aí? *T 00:25:19:26 Cachorro! *T 00:25:20:23 - [Marcão] O cachorro já morreu! *T 00:25:22:08 - Já morreu? *T 00:25:23:11 - [Homem] Tem dois aqui. *T 00:25:25:12 Marcão, a gente está fazendo uma filmagem aqui. *T 00:25:27:21 - [Marcão] Oi? *T 00:25:28:12 - A gente está fazendo uma filmagem aqui *T 00:25:29:10 sobre a minha avó, onde ela morava aqui. *T 00:25:31:17 [Marcão] Tem que pedir a permissão, né? *T 00:25:34:07 [Bira] Mas o Albino era boêmio, né? *T 00:25:35:29 O Albino era da noite. *T 00:25:37:17 Albino não gostava de trabalhar. *T 00:25:39:21 Para tu ver, nessa história toda, *T 00:25:42:15 o Albino trabalhou três anos *T 00:25:45:12 como estivador. *T 00:25:47:10 Ele teve uma chance de se aposentar, *T 00:25:48:19 ele se aposentou. *T 00:25:50:12 Três anos de trabalho, ele se aposentou, *T 00:25:52:14 mas descia todo dia pra ir pra lá pra estiva. *T 00:25:55:18 Não sei fazer o quê, sei que ele saía todo dia, *T 00:25:57:22 todo elegante, e ia para a Cidade, *T 00:25:59:28 lá para o Cais do Porto. *T 00:26:01:12 [Homem] Como é que você conheceu o Albino? *T 00:26:03:12 Albino? Conheci na Manga. *T 00:26:05:18 - [Homem] Albino Pé Grande, né? *T 00:26:06:17 - Pé Grande! Albino Pé Grande! *T 00:26:08:03 Não é Albino Pinheiro, não. Albino Pinheiro é xará. *T 00:26:10:18 Albino Pé Grande, conheci no... *T 00:26:13:04 em Mangueira, *T 00:26:14:15 numa festa de São Pedro *T 00:26:16:29 que fui convidada, *T 00:26:18:14 e eu fui lá nessa festa. *T 00:26:20:06 E cheguei lá, eles estavam todos de camisinhas iguais, *T 00:26:23:00 cor-de-rosa, tinha uma festa que eles fizeram onde era... *T 00:26:26:22 Não era onde é a Estação Primeira, *T 00:26:27:23 onde era a Estação Primeira antiga, *T 00:26:28:27 vocês não conheceram, não, conheceu? *T 00:26:30:17 Lá em cima, no Buraco Quente. *T 00:26:32:13 Lá dentro. *T 00:26:33:09 Depois do Buraco Quente. *T 00:26:34:16 Não, no Buraco Quente mesmo, lá dentro, lá em cima. *T 00:26:40:03 E lá que eu conheci *T 00:26:43:03 o Pé Grande. *T 00:26:43:28 - [Mulher] Camisinha rosa? *T 00:26:45:00 - Camisinha rosa, cortadinha assim, *T 00:26:46:11 estavam todos numa mesa tomando lá umas coisas, *T 00:26:49:09 Aí... os olhos trocaram-se. *T 00:26:53:07 [Risos] *T 00:26:57:18 Mas ela vivia aqui. Só vivia na casa da Nelma. *T 00:27:00:16 Vivia na casa da Nelma. *T 00:27:01:15 Ela era portelense mas vivia na casa da Nelma. *T 00:27:03:03 E só cantava música da Mangueira. *T 00:27:04:22 Tá igual Monarco ela, *T 00:27:06:12 só cantava música da Mangueira. *T 00:27:07:09 Não sei não, ela falava... *T 00:27:09:00 Eu não sei, não vou me meter nisso, *T 00:27:12:27 mas achava muito estranho. *T 00:27:14:10 Igual o Natal, seu Natal, falecido Natal *T 00:27:16:11 chamou Monarco e falou: *T 00:27:17:12 "Vem cá, qual é a tua escola, *T 00:27:19:01 tu é Mangueira ou é Portela?". *T 00:27:20:21 Aí o Monarco falou: "Não, eu sou Portela, seu Natal". *T 00:27:22:22 "Tu só faz samba pra Mangueira! *T 00:27:25:10 Falando em Mangueira, não sei o quê". *T 00:27:27:03 Chamou o Paulinho da Viola, *T 00:27:29:05 chamou o Paulinho na chincha: *T 00:27:30:21 "Que negócio é esse?" *T 00:27:31:25 Não, não foi nada demais, não. *T 00:27:33:24 É o seguinte. *T 00:27:34:18 Eu fiz esse samba de parceria, *T 00:27:36:04 eu chamo o samba de "Sei lá Mangueira", *T 00:27:38:25 de parceria com Hermínio Bello de Carvalho, *T 00:27:42:03 que foi, assim, pra gente, pra mim, pra minha mãe *T 00:27:46:29 e pra eles uma pessoa muito importante *T 00:27:48:26 no começo do trabalho da gente e tudo, *T 00:27:52:00 que foi praticamente ele quem lançou a gente assim, né? *T 00:27:55:02 Ele que fez o Rosa de Ouro, *T 00:27:58:09 dirigiu o Rosa de Ouro *T 00:28:00:02 e nós trabalhamos no Rosa de Ouro com ele. *T 00:28:03:22 E eu fiz esse samba com ele. *T 00:28:05:19 Mas esse samba, ele não deveria ser gravado. *T 00:28:09:13 Eu pensei que ele não fosse gravado. *T 00:28:11:23 Esse samba foi feito, *T 00:28:13:29 ele fez a letra, ele fez a música, *T 00:28:15:20 era um show que ele ia montar *T 00:28:17:10 chamado "Fala Mangueira", que havia uma homenagem *T 00:28:19:17 a Mangueira feita por nós, *T 00:28:22:25 que é esse samba "Sei lá Mangueira". *T 00:28:26:14 ∫ Vista assim do alto ∫ *T 00:28:30:21 ∫ Mais parece Um céu no chão ∫ *T 00:28:34:21 ∫ Sei lá ∫ *T 00:28:37:25 ∫ Em Mangueira, a poesia feito um mar ∫ *T 00:28:41:11 ∫ Se alastrou ∫ *T 00:28:44:22 ∫ E a beleza do lugar ∫ *T 00:28:48:16 ∫ Pra se entender ∫ *T 00:28:51:07 ∫ Tem que se achar ∫ *T 00:28:54:10 ∫ Que a vida não é Só isso que se vê ∫ *T 00:28:58:00 ∫ É um pouco mais ∫ *T 00:29:01:21 ∫ Que os olhos Não conseguem perceber ∫ *T 00:29:05:13 ∫ As mãos não ousam tocar ∫ *T 00:29:09:21 ∫ Os pés recusam pisar ∫ *T 00:29:13:21 ∫ Sei lá, não sei... ∫ *T 00:29:15:20 ∫ Sei lá, não sei... ∫ *T 00:29:17:25 ∫ Não sei se toda beleza De que lhes falo ∫ *T 00:29:21:29 ∫ Sai tão somente Do meu coração ∫ *T 00:29:26:23 ∫ Em Mangueira a poesia ∫ *T 00:29:30:07 ∫ Num sobe e desce constante ∫ *T 00:29:34:05 ∫ Anda descalça ensinando ∫ *T 00:29:37:18 ∫ Um modo novo Da gente viver ∫ *T 00:29:41:12 ∫ De pensar, de sonhar, de sofrer ∫ *T 00:29:45:23 ∫ Sei lá, não sei ∫ *T 00:29:47:22 ∫ Sei lá, não sei, não ∫ *T 00:29:50:24 ∫ A Mangueira é tão grande ∫ *T 00:29:54:05 ∫ Que nem cabe explicação ∫ *T 00:29:57:05 ∫ Sei lá, não sei... ∫ *T 00:29:59:09 ∫ Sei lá, não sei... ∫ *T 00:30:01:12 ∫ Não sei se toda beleza De que lhes falo ∫ *T 00:30:06:01 ∫ Sai tão somente Do meu coração ∫ *T 00:30:11:08 ∫ Em Mangueira a poesia ∫ *T 00:30:15:25 ∫ Num sobe e desce constante ∫ *T 00:30:20:17 ∫ Anda descalça ensinando ∫ *T 00:30:24:19 ∫ Um modo novo Da gente viver ∫ *T 00:30:28:25 ∫ De pensar, de sonhar, de sofrer ∫ *T 00:30:33:09 ∫ Sei lá, não sei ∫ *T 00:30:35:15 ∫ Sei lá, não sei, não ∫ *T 00:30:38:26 ∫ A Mangueira é tão grande ∫ *T 00:30:42:23 ∫ Que nem cabe explicação ∫ *T 00:30:46:28 ∫ Sei lá, não sei... ∫ *T 00:30:49:07 ∫ Sei lá, não sei... ∫ *T 00:30:52:02 Ela era jovem, mas ela já era partideira. *T 00:30:55:13 E a voz dela, como era muito marcante, *T 00:30:58:07 quando ela cantava assim... *T 00:31:02:17 Ali nos arredores, todo mundo ouvia, *T 00:31:04:19 aí o pessoal falava assim: *T 00:31:06:05 "Ih, a dona Clementina está cantando, não sei o quê". *T 00:31:08:22 Todo mundo, eu lembro que nós chegamos a ter, *T 00:31:11:16 numa época, eu ainda peguei uma época *T 00:31:13:14 que não tinha nem microfone, *T 00:31:15:02 era no gogó, cara, tinha que ter gogó. *T 00:31:18:28 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:31:21:26 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:31:24:18 ∫ *T 00:31:27:20 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:31:32:24 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:31:37:11 ∫ Fui enganado, meu bem ∫ *T 00:31:40:08 ∫ Enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:31:45:03 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:31:48:21 ∫ Vai-te embora, enganadeira Não me venha me enganar ∫ *T 00:31:53:14 ∫ Não me venha dar o papo Que a outra veio me dar ∫ *T 00:31:57:15 ∫ Mas fui enganado ∫ *T 00:31:58:25 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:32:04:07 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:32:08:21 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:32:14:25 Determinados partideiros *T 00:32:18:27 se acostumaram e tal *T 00:32:21:09 a improvisar em quadras: *T 00:32:24:03 "Lá em cima daquele morro tem um pé de... *T 00:32:28:12 um pé de abricó... *T 00:32:31:07 Vou pedir a tua avó". *T 00:32:33:04 Uma quadrinha. *T 00:32:35:13 Tem uma rítmica previsível. *T 00:32:39:21 Agora, quando o partideiro rima em sextilhas, *T 00:32:47:23 estava falando em quadra, quando rima em sextilha, *T 00:32:51:21 seis, seis linhas, seis versos *T 00:32:55:15 rimando por dentro, *T 00:32:58:14 o verso fica muito mais saltitante *T 00:33:02:23 mais balanceado. *T 00:33:04:03 A dona Clementina fazia esse jogo de encaixe de coisa, *T 00:33:10:25 de letra com melodia, ela encaixava, *T 00:33:13:14 os versos dela não sobravam nem letra nem melodia, *T 00:33:16:04 ela encaixava tudo direitinho, mas por quê? *T 00:33:18:03 Ela cantava desde menina. *T 00:33:20:12 Ela cantava partido alto, aquele samba de roda, *T 00:33:23:25 aquela coisa que é tudo bolado na hora, *T 00:33:26:27 então ela conseguia encaixar. *T 00:33:29:03 Agora, era dona Clementina, mas não tinha muita *T 00:33:31:26 Clementina para fazer isso, não. *T 00:33:33:23 ∫ Não me venha me enganar ∫ *T 00:33:36:05 ∫ Não me venha dar o papo Que a outra veio me dar ∫ *T 00:33:40:16 ∫ Mas fui enganado ∫ *T 00:33:41:28 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:33:46:28 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:33:51:02 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:33:56:16 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:34:01:01 ∫ Fui enganado, meu bem, por ela ∫ *T 00:34:06:08 ∫ Maria Madalena da Portela ∫ *T 00:34:10:11 Partido alto, *T 00:34:11:17 nada mais, nada menos é que a chula-raiada. *T 00:34:15:14 Acontece, entretanto, *T 00:34:17:06 que nos primórdios tempos do partido alto, *T 00:34:19:29 era chula que não tinha letra, *T 00:34:23:18 era tão somente o solo de instrumentações, *T 00:34:26:19 pandeiro sem platinela, prato na falta do reco-reco, *T 00:34:31:20 palma de mão *T 00:34:33:11 flauta, *T 00:34:34:19 eram os instrumentos adequados para o caso, *T 00:34:37:09 sapateado. *T 00:34:38:28 Agora o partido alto é a chula-raiada. *T 00:34:43:10 E então eu apresento como exemplo o seguinte, *T 00:34:46:28 "Sou partideiro famoso". *T 00:34:52:29 ∫ Sou partideiro famoso Inspiração me irradia ∫ *T 00:34:58:18 ∫ Busco temas variados Que não causem hipocondria ∫ *T 00:35:03:13 ∫ Virgem mãe do Senhor: Maria ∫ *T 00:35:06:15 ∫ O oposto a noite: é o dia ∫ *T 00:35:09:13 ∫ Hotel ou pensão: hospedaria ∫ *T 00:35:11:25 ∫ Vejam bem o meu tema Provoca alegria ∫ *T 00:35:15:02 Isto é o partido alto. *T 00:35:16:23 Partido, para mim, era pequenininho, *T 00:35:19:15 eram duas quadrinhazinhas só, *T 00:35:21:03 a gente mandando lá o partido *T 00:35:22:28 numa roda de samba, a gente chegava assim: *T 00:35:24:28 "Oh, fulano, bota um partido aí para a gente cantar". *T 00:35:28:26 Por exemplo, tinha um muito gostoso *T 00:35:30:10 que eu gostava muito de cantar. *T 00:35:31:22 ∫ Lapa e Lapa ∫ *T 00:35:36:03 ∫ Lapa e Lapa ∫ *T 00:35:39:24 Cantava esse e outros mais. *T 00:35:41:27 ∫ Eu moro na roça, iaiá ∫ *T 00:35:43:23 Tinha esse, tinham diversos partidos. *T 00:35:46:07 ∫ Deixa amanhecer Para conhecer quem é ∫ *T 00:35:50:00 ∫ Deixa o dia amanhecer Para conhecer quem é ∫ *T 00:35:54:13 Apesar dela ter feito parte *T 00:35:57:23 da banda do Cartolinha, *T 00:35:59:26 ter feito parte da Portela, cantava em algumas coisas, *T 00:36:03:22 mas ela era uma empregada doméstica, né? *T 00:36:05:14 Não desmerecendo ninguém. *T 00:36:07:15 Era um trabalho duro, pela idade que ela tinha, *T 00:36:10:25 aos 62 anos ser descoberta *T 00:36:14:00 e o cara mudar totalmente a sua vida, para você ver. *T 00:36:17:18 A Clementina cantora poderia existir *T 00:36:20:16 sem a Clementina dona de casa, lavadeira, *T 00:36:23:12 arrumadeira, passadeira? *T 00:36:25:08 Eu acho que não. A Clementina, não. *T 00:36:27:13 Outras foi. Mas a Clementina sempre é Clementina. *T 00:36:30:17 Tanto faz trabalhando, cantando, lavando roupa, *T 00:36:34:13 fazendo tudo, é a Clementina, entendeu? *T 00:36:37:09 Sou sempre a Clementina. *T 00:36:38:07 [Mulher] Clementina, quais são os momentos *T 00:36:39:15 mais felizes da tua vida? *T 00:36:41:24 Foi quando eu conheci meu grande poeta *T 00:36:44:24 Hermínio Bello de Carvalho. *T 00:36:46:19 Para mim, foi o momento mais feliz que eu tive na vida. *T 00:36:50:18 [Mulher] Por quê? Como é que foi esse momento feliz? *T 00:36:53:03 Porque daí para cá a minha vida melhorou, *T 00:36:56:04 ele fez tudo por mim, *T 00:36:57:07 tem feito e é um amigo que eu tenho, sabe? *T 00:37:00:02 [Mulher] Você se transformou numa cantora profissional? *T 00:37:02:13 Justamente. *T 00:37:03:16 [Mulher] Por que você demorou tanto assim *T 00:37:05:18 para assumir como cantora profissional? *T 00:37:09:00 Não tinha chegado a hora, não é, minha filha? *T 00:37:11:01 Quando chega a hora, não adianta nada. *T 00:37:12:27 Mas não tinha chegado a hora. É isso aí. *T 00:37:16:04 Eu conheci a Clementina quando ela já tinha 62. *T 00:37:18:29 E outra coisa que é importante esclarecer, *T 00:37:20:27 eu não suporto que me chamem *T 00:37:24:08 "Ele descobriu a Clementina", *T 00:37:25:20 não suporto! *T 00:37:26:29 Eu não a descobri, não tem nada descoberto ali, *T 00:37:29:21 eu prestei atenção. *T 00:37:30:28 A pergunta é, por que não prestaram antes? *T 00:37:33:06 Ela já com 62 anos de idade. *T 00:37:38:01 Não prestaram atenção. *T 00:37:42:14 ∫ Eu andava perambulando ∫ *T 00:37:45:24 ∫ Sem ter nada pra comer ∫ *T 00:37:48:24 ∫ Fui pedir às almas santas ∫ *T 00:37:51:15 ∫ Para vir me socorrer ∫ *T 00:37:56:00 ∫ Eu andava perambulando ∫ *T 00:37:58:19 ∫ Sem ter nada pra comer ∫ *T 00:38:01:05 ∫ Fui pedir às almas santas ∫ *T 00:38:03:20 ∫ Para vir me socorrer ∫ *T 00:38:06:11 [Clementina] Todos os anos, *T 00:38:07:13 eu não falto a festa da Glória, *T 00:38:10:20 Nossa Senhora da Penha, não falto essas festas, *T 00:38:13:26 e glorioso São Jorge. *T 00:38:15:15 Eu estava numa mesa, *T 00:38:17:05 já tinha tomado um pouco de uns guaranás, *T 00:38:20:09 uns guaranás, daqueles guaranazinhos, *T 00:38:23:11 e estava cantando uns pagodes lá *T 00:38:24:26 quando Hermínio passou, vinha de um banho de mar, *T 00:38:27:20 aí parou para me ouvir, *T 00:38:29:08 naquele tempo que eu tinha aquela grande voz, *T 00:38:33:03 parou para me ouvir. *T 00:38:37:25 Estou vendo agora, eu passando pela Taberna, *T 00:38:42:06 aí estava a cantoria, *T 00:38:45:17 ela cantando, *T 00:38:48:25 depois ela se levanta e começou a cantar e a... *T 00:38:53:01 E a dançar. *T 00:38:55:26 Ali naquele momento, na Taberna da Glória, *T 00:38:59:23 eu já disse isso uma vez, a sensação que eu tinha *T 00:39:02:19 é que Nossa Senhora da Glória estava *T 00:39:07:13 incorporada na Clementina. *T 00:39:09:07 Você se lembra que música você estava cantando *T 00:39:12:11 quando conheceu Hermínio Bello de Carvalho? *T 00:39:18:19 ∫ Moça bonita, moça namora ∫ *T 00:39:23:17 ∫ Tá na janela contando estória ∫ *T 00:39:28:09 ∫ Moça que coze na máquina Faz crochê e faz trancelim ∫ *T 00:39:35:08 ∫ A agulha com que ela coze Tem um cabo de marfim ∫ *T 00:39:41:29 ∫ Mandar fazer uma camisa ∫ *T 00:39:43:13 ∫ Que eu hei de ir embora daqui ∫ *T 00:39:48:20 ∫ Adeus Rio das Flores ∫ *T 00:39:52:10 ∫ Ribeirão do Bom Jardim ∫ *T 00:39:56:11 ∫ Cantarolando ∫ *T 00:40:04:23 Essas músicas eu cantei lá, isso eu me lembro, pra ele. *T 00:40:07:26 Passou, foi embora, depois mandou Nelson, *T 00:40:10:22 que é um colega também, agora é advogado, *T 00:40:13:14 trazer umas flores para mim *T 00:40:15:14 e me convidar se eu queria dar um pulinho na casa dele *T 00:40:18:19 para fazer uma gravação lá. *T 00:40:20:15 Foi assim que surgiu. *T 00:40:21:16 [Mulher] E você foi lá? *T 00:40:23:10 Já não sabe? Como não encontrei? *T 00:40:26:07 Eu já estava meio... *T 00:40:29:06 Meio pedra, meio tijolo. *T 00:40:33:01 Fui para lá, acabei de entornar o negócio. *T 00:40:35:20 Ela chegou e eu liguei o gravador de casa. *T 00:40:40:00 Ela tinha um repertório incrível mas, sobretudo, *T 00:40:42:05 nessa área da música negra, nas Curimbas que ela gravou, *T 00:40:46:27 ela trouxe um cancioneiro, *T 00:40:49:05 a questão da oralidade mesmo. *T 00:40:51:20 Ela aprendeu com a mãe, que aprendeu com a avó, *T 00:40:54:12 com a bisavó, eram cantigas centenárias, *T 00:40:58:05 coisas que... *T 00:41:01:16 Nunca foi mapeado, entendeu? *T 00:41:05:02 Foi sugerido algumas vezes, assim, *T 00:41:07:18 pelo Mário de Andrade com muita justeza *T 00:41:10:07 e pelo Ary Vasconcelos, que ele dizia assim, *T 00:41:13:21 que a Clementina *T 00:41:16:28 corresponderia, *T 00:41:18:21 na área de antropologia, *T 00:41:21:06 como o elo perdido *T 00:41:23:10 entre o Brasil e a África. *T 00:41:27:04 Achei isso genial! *T 00:41:29:19 Define bem a Clementina. *T 00:41:32:00 Ela era... *T 00:41:34:00 Ela era uma urna de prata, *T 00:41:38:21 ouro, de pedras preciosas *T 00:41:41:00 que ela trazia aqui. *T 00:41:47:23 Então esse tipo de trabalho, que me encantava também, *T 00:41:51:10 eu joguei no gravador com a Clementina, *T 00:41:53:03 deixei ela gravar. *T 00:41:54:27 "Conta uma história, mainha. Conta uma história". *T 00:41:58:04 [Homem] Você se lembra alguma coisa assim *T 00:41:59:12 que ela ensinou a você na época? *T 00:42:03:01 ∫ Alegria do carreiro ∫ *T 00:42:06:26 ∫ É de ver o carro cantar ∫ *T 00:42:10:27 ∫ Ai, duas juntas de boi preto ∫ *T 00:42:14:15 ∫ E boa vara de tocar ∫ *T 00:42:17:26 ∫ E duas juntas de boi preto ∫ *T 00:42:21:13 ∫ E boa vara de tocar ∫ *T 00:42:28:23 Clementina, o que representou o Rosa de Ouro? *T 00:42:32:02 A Rosa de Ouro, para mim, foi tudo, *T 00:42:34:18 foi que me fez vir a público, *T 00:42:37:19 o Hermínio Bello de Carvalho realizar aquele show, *T 00:42:41:01 ele e o Kleber Santos, *T 00:42:43:19 de realizar aquele show *T 00:42:47:25 no Teatro Jovem, *T 00:42:49:10 e daí principiou *T 00:42:53:11 a minha linda carreira. *T 00:42:55:29 No Rosa de Ouro, quando eu... *T 00:42:58:23 primeira vez que fomos *T 00:43:03:04 fazer a primeira apresentação, *T 00:43:04:27 eu disse: "Eu não vou, eu não tenho cara, *T 00:43:07:05 "coragem de me enfiar num palco, *T 00:43:08:12 não posso, não aguento, não está em mim". *T 00:43:11:22 Olha, antes de eu entrar para cantar, *T 00:43:13:18 tomei um litro de Cinzano sozinha, *T 00:43:16:28 para ter coragem. *T 00:43:17:23 Eu espiava pela coxia, olhava para lá *T 00:43:19:14 E dizia: "Ah, não vou, não". *T 00:43:20:26 Pega o litro... *T 00:43:25:07 Até que: "Agora eu estou em pé de brasa, agora eu vou". *T 00:43:28:15 Ainda não. Na última hora, ele chegou e falou assim: *T 00:43:30:20 "Toma mais um golinho", *T 00:43:31:09 eu disse: "Não vai mais nada agora. *T 00:43:32:11 "Agora tem que sair de qualquer maneira. *T 00:43:33:13 Me desculpa que eu não bebo mais nada agora". *T 00:43:35:10 E entrei. Entrei, cheguei lá... Puxa vida! *T 00:43:40:11 E o Rosa de Ouro, modéstia à parte, *T 00:43:42:07 foi um grande espetáculo. *T 00:43:45:10 Com duas... Duas pessoas que... *T 00:43:50:18 Encheu os olhos de todo mundo, *T 00:43:51:28 Araci Cortes e Clementina de Jesus, *T 00:43:55:01 eram as estrelas do espetáculo. *T 00:43:58:15 Todas passando dos 60 anos. *T 00:44:02:10 Eu e Paulinho no violão, o Jair no cavaquinho, *T 00:44:07:00 o Elton, caixa de fósforo e pandeiro, *T 00:44:10:25 o Anescar, tamborim. *T 00:44:13:11 O Hermínio, quando pensou em fazer o Rosa, *T 00:44:16:08 eu fui uma das primeiras pessoas que ele procurou, *T 00:44:20:25 não só para orientar na... *T 00:44:30:05 vamos dizer, na construção do Rosa, *T 00:44:34:13 como também participar do Rosa. *T 00:44:38:01 A convivência dela com Paulinho da Viola, *T 00:44:42:17 com Elton Medeiros foi decisiva *T 00:44:47:04 porque o Elton conhecia muito bem *T 00:44:49:26 essa área da música, *T 00:44:53:09 esse elo com a África, *T 00:44:56:08 e o que eu fui fazer é ter o cuidado de levar pessoas *T 00:45:02:11 que tivessem contato com essa cultura. *T 00:45:05:26 O Elton e o Hermínio *T 00:45:06:29 subiram lá no morro da Mangueira *T 00:45:08:12 e foram na minha casa, mas eu não estava. *T 00:45:11:15 Disseram para mim: *T 00:45:12:20 "Olha, ele deixou um recado para ir no Teatro Jovem". *T 00:45:17:14 Quando recebi, quando minha mulher apanhou isso, disse: *T 00:45:20:14 "Olha, o seu Hermínio esteve aqui e disse isso, *T 00:45:23:01 para você ir no Teatro". *T 00:45:25:27 Mas eu estava trabalhando, eu digo: "Eu não vou, não. *T 00:45:29:20 Não vou no teatro, eu estou trabalhando". *T 00:45:32:27 Mas eles realmente me queriam *T 00:45:34:20 porque foram lá mais duas vezes e eu não fui, *T 00:45:39:14 na quarta vez disseram: *T 00:45:40:22 "Olha, se não for amanhã, não precisa ir mais". *T 00:45:43:24 Aí eu digo: "Não vou perder esse trabalho". *T 00:45:47:15 E quando eu cheguei no Teatro, *T 00:45:50:21 já estava o Elton, o Agenor *T 00:45:54:21 e o Jair, *T 00:45:57:08 os três estavam lá. Aí eu digo assim... *T 00:46:00:22 Eu cheguei, cumprimentei, "onde é que vai pintar?". *T 00:46:05:05 Eu era pintor na época, *T 00:46:08:02 trabalhava na construção civil. *T 00:46:10:19 Mas o trabalho não era pintar, *T 00:46:13:03 era cantar samba. *T 00:46:14:25 E os caras caíram na risada. *T 00:46:17:10 "Não é para pintar não, rapaz. *T 00:46:21:19 Você sabe cantar samba?" *T 00:46:23:07 Digo: "Sei". *T 00:46:25:26 "Então, o senhor foi chamado para cantar samba, *T 00:46:28:14 aqui é um conjunto que nós estamos fazendo *T 00:46:30:29 e você vai fazer parte". *T 00:46:34:27 [Canto afro] *T 00:47:01:21 Eu senti uma coisa, depois do Rosa de Ouro, *T 00:47:04:12 toda aquela coisa que eu sentia dentro de mim, sabe? *T 00:47:06:25 Depois, os amigos muito bons, *T 00:47:09:16 todos acompanhantes muito bons e aquela... *T 00:47:11:27 Eu sentia uma coisa, parecia que eu estava *T 00:47:13:09 numa coisa que era meu, sabe como é? *T 00:47:16:23 Ela conhecia os sambas, *T 00:47:18:19 mas embora que ela tinha o repertório dela. *T 00:47:20:24 O que o Hermínio exigiu dela *T 00:47:24:05 era o repertório africano dela. *T 00:47:27:02 Então, tem o Benguelê, *T 00:47:31:23 tem o Santa Bárbara. *T 00:47:33:12 E isso, na época, chocou as pessoas *T 00:47:38:22 mas foi uma mensagem da música negra. *T 00:47:44:14 Na época, não se falava muito. *T 00:47:48:29 A Clementina deu a partida nesse tipo de música, *T 00:47:53:29 nesse tipo de ritmo da música negra. *T 00:47:57:23 Uma tela branca, um lençol talvez, *T 00:48:01:09 ela surge de contra a luz, num efeito, *T 00:48:05:05 ela por trás da iluminação, aparecendo só o perfil dela. *T 00:48:09:28 O Elton Medeiros, *T 00:48:11:13 depois eu venho rufando um atabaquezinho *T 00:48:16:09 e ela mandou aquele Benguelê, né? *T 00:48:19:09 "Benguelê!". *T 00:48:20:17 E Benguelê é uma evocação a uma localidade *T 00:48:23:10 chamada Benguela, *T 00:48:24:11 que é uma região de Angola muito importante. *T 00:48:28:08 Então Benguelê é como se fosse "Ê Benguela!", *T 00:48:32:20 como tem Luandaê, Conguê. *T 00:48:37:05 [Clementina] Quando eu botei o Benguelê lá e as outras Curimbas, *T 00:48:41:07 aquelas outras músicas todas, *T 00:48:44:01 aí me deu vontade até de chorar. *T 00:48:46:04 [Tambor] *T 00:48:50:07 ∫ Benguelê! Benguelê! ∫ *T 00:48:54:24 ∫ Benguelê, oh Mamãe Zimbá ∫ *T 00:48:57:00 ∫ Benguelê ∫ *T 00:48:59:08 ∫ Benguelê! Benguelê! ∫ *T 00:49:03:10 ∫ Benguelê, oh Mamãe Zimbá ∫ *T 00:49:05:10 ∫ Benguelê ∫ *T 00:49:07:14 ∫ Tréca, tréca, Iombi Nanã Tatárecô ∫ *T 00:49:11:19 ∫ Tréca, tréca, Iombi Nanã Tatárecô ∫ *T 00:49:15:24 ∫ Ô, quizumba, quizumba, quizumba ∫ *T 00:49:17:14 ∫ Vamo saravá, Quem tá no reino ∫ *T 00:49:19:15 ∫ Vamo saravá, vamo saravá ∫ *T 00:49:22:20 ∫ Vamo saravá, vamo saravá ∫ *T 00:49:28:02 ∫ Mamãe Zimba Chegou, tá no reino ∫ *T 00:49:30:04 ∫ Mamãe Zimba veio saravá ∫ *T 00:49:32:00 ∫ Vamo saravá, vamo saravá Vamo saravá ∫ *T 00:49:36:16 ∫ Uô Benguelê ∫ *T 00:49:41:03 [Tambor] *T 00:49:45:00 E aí! *T 00:49:45:22 Tudo certo? *T 00:49:46:20 Tá preparando os quitutes? *T 00:49:48:25 Preparando os quitutes da feira, né? *T 00:49:51:06 Tem tudo saboroso, fresquinho. *T 00:49:54:11 Bom à beça! *T 00:49:56:09 Sejam bem-vindos. *T 00:50:01:03 Verinha de Jesus, minha comadre. *T 00:50:04:24 Tudo bom? Entra, gente, fiquem à vontade. *T 00:50:07:10 E aí, nega Janá! *T 00:50:08:28 [Janaina de Jesus] Quando ela estava em casa, ela cozinhava. *T 00:50:11:09 [Vera de Jesus] Adorava cozinhar. *T 00:50:12:16 [Janaina de Jesus] Ela fazia o almoço e fazia os doces. *T 00:50:15:10 Aí falava assim: "Vó, tá fazendo o quê?". *T 00:50:17:09 "Estou fazendo um doce de abóbora". *T 00:50:18:29 Eu falei: "Mas, vó, tá pronto?" *T 00:50:20:03 Ela: "Não, tem que cachimbar". *T 00:50:22:04 Cachimbar porque ela queria dizer *T 00:50:23:14 que tinha que pegar o ponto. *T 00:50:25:03 - Pegar o ponto. - É, pegar o ponto. *T 00:50:26:20 Mexendo a panela, às vezes mexe ele ao contrário... *T 00:50:30:13 para poder dar certo. *T 00:50:31:12 Para dar certo, dar o brilho nele, entendeu? *T 00:50:35:21 Eu gosto muito de cozinhar *T 00:50:37:13 e gosto muito de fazer comida gostosa. *T 00:50:41:05 Qualquer comida que me dê para fazer, eu faço. *T 00:50:43:14 Mas o que eu gosto de fazer mesmo, *T 00:50:44:12 bem feito, gostoso, tenho aquele prazer de fazer *T 00:50:46:23 e sou conhecida por isso é... *T 00:50:52:10 Uma feijoada. *T 00:50:54:10 Mas uma feijoada à minha moda. *T 00:50:59:06 Por exemplo, eu vejo fazerem feijoada, *T 00:51:02:06 em todo lugar fazem, é muito bom, *T 00:51:03:28 mas o meu feijão tem segredo especial, sabe como é? *T 00:51:09:22 Um bom toucinho de fumeiro, uma boa linguiça especial, *T 00:51:13:16 daquela boa, de porco, um bom lombo, *T 00:51:16:20 carne seca especial, tudo isso a gente prepara, *T 00:51:19:22 coisa e tal, deixa de molho direitinho de manhã. *T 00:51:22:29 Primeiro, tem coisas que as pessoas fazem mas não sabem. *T 00:51:26:17 Primeiro, bota o feijão no fogo. *T 00:51:27:29 Primeira coisa que se bota no feijão *T 00:51:29:06 é o pezinho de porco, *T 00:51:30:12 que já ficou de molho, já foi bem raspadinho, *T 00:51:32:11 preparadinho, bota logo *T 00:51:33:18 o pezinho de porco e a carne seca, *T 00:51:35:03 que são as coisas mais duras, *T 00:51:37:17 e a tripa. *T 00:51:38:13 Bota uma rodela ou duas de cebola, *T 00:51:40:12 soca um dente de alhozinho bem socadinho, *T 00:51:42:11 tira aquela pele fora e bota lá dentro, *T 00:51:44:22 duas folhas de louro e deixa o menino... *T 00:51:47:15 Deixa o menino cheirar por aí. *T 00:51:48:29 [Homem] Já estou com fome. *T 00:51:51:08 Aí depois, quando ele já está cozidinho, *T 00:51:54:05 tudo cozido, não deixar desmanchar. *T 00:51:56:12 O feijão bem grosso, aquilo tudo direitinho, *T 00:51:59:08 bonitinho, dentro, *T 00:52:00:11 aí você passa uma colher de azeite doce especial, *T 00:52:02:25 bota ali dentro, aí que está o segredo, *T 00:52:04:28 e deixa o menino ferver, *T 00:52:06:16 o menino apurar em fogo brando até chegar na medida. *T 00:52:09:07 É fogo. Fogo mesmo. *T 00:52:12:29 ∫ *T 00:52:39:25 ∫ O galo cantou ∫ *T 00:52:41:07 ∫ O galo cantou Às quatro da manhã ∫ *T 00:52:46:16 ∫ Céu azulou na linha do mar ∫ *T 00:52:53:18 ∫ Vou-me embora Desse mundo de ilusão ∫ *T 00:52:57:08 ∫ Que me vê sorrir Não há de me ver chorar ∫ *T 00:53:01:04 [Vera de Jesus] Está cachimbando. *T 00:53:03:05 Isso que é cachimbar, viu? *T 00:53:04:25 ∫ Vou-me embora Desse mundo de ilusão ∫ *T 00:53:08:09 ∫ Que me vê sorrir Não há de me ver chorar ∫ *T 00:53:14:00 ∫ Flechas sorrateiras Cheias de venenos ∫ *T 00:53:19:03 ∫ Querem atingir O meu coração ∫ *T 00:53:23:08 ∫ Mas o meu amor Sempre tão sereno ∫ *T 00:53:27:22 ∫ Serve de escudo Pra qualquer ingratidão ∫ *T 00:53:31:13 ∫ O galo cantou ∫ *T 00:53:32:19 ∫ O galo cantou Às quatro da manhã ∫ *T 00:53:37:02 ∫ Céu azulou na linha do mar ∫ *T 00:53:41:24 ∫ Laiá laiá ∫ *T 00:53:43:13 ∫ Vou-me embora Desse mundo de ilusão ∫ *T 00:53:46:18 ∫ Quem me vê sorrir Não há de me ver chorar ∫ *T 00:53:51:00 ∫ Laiá laiá ∫ *T 00:53:52:22 ∫ Vou-me embora Desse mundo de ilusão ∫ *T 00:53:56:05 ∫ Quem me vê sorrir Não há de me ver chorar ∫ *T 00:54:03:14 ∫ Vou-me embora Desse mundo de ilusão ∫ *T 00:54:06:29 ∫ Quem me vê sorrir Não há de me ver chorar ∫ *T 00:54:14:00 ∫ Cantarolando ∫ *T 00:54:35:23 [Homem] A Clementina era do elenco da noitada de samba. *T 00:54:39:07 A Clementina, Cartola e Nelson Cavaquinho. *T 00:54:42:11 ∫ Lá no céu Tem branco e azul ∫ *T 00:54:44:12 ∫ Na Terra Tem toda cor ∫ *T 00:54:46:24 ∫ Na boca de quem não presta ∫ *T 00:54:48:29 ∫ Quem é bom não tem valor ∫ *T 00:54:51:01 ∫ Você matou meu sabiá ∫ *T 00:54:55:21 ∫ Rosa morena eu vou pra ribeira sambar ∫ *T 00:55:00:14 [Homem] A noitada de samba está com seis anos *T 00:55:04:00 e é marca registrada, todas as segundas-feiras, *T 00:55:06:27 no Teatro Opinião, Rio, Zona Sul. *T 00:55:10:00 Todo mundo curte o final de semana, *T 00:55:12:12 mas deixa sempre um pedacinho, *T 00:55:14:16 um pouquinho para segunda no Teatro Opinião. *T 00:55:17:14 É absolutamente certa a presença dos bambas, *T 00:55:21:17 as "cobras criadas" das escolas de samba *T 00:55:23:28 de morros cariocas. *T 00:55:26:00 [Paulinho da Viola] As noitadas de samba *T 00:55:27:21 que acontecem aqui no Teatro Opinião, *T 00:55:29:29 todas as segundas-feiras, há exatamente seis anos, *T 00:55:34:07 elas têm uma importância muito grande porque *T 00:55:37:00 ainda conservam uma certa espontaneidade *T 00:55:40:18 e uma relação entre os sambistas *T 00:55:42:26 que aqui mostram suas músicas, seus trabalhos, *T 00:55:47:09 e o público, uma relação assim muito forte, *T 00:55:50:01 muito grande. *T 00:55:51:04 E elas, e a gente tem impressão, assim, *T 00:55:52:28 que é até uma família, todo mundo já se conhece, *T 00:55:56:01 e isso cria condições realmente para que a coisa *T 00:55:58:25 se torne viva e que todo mundo participe assim, *T 00:56:02:06 com a maior espontaneidade, a maior alegria. *T 00:56:04:24 ∫ Se as estrelas no céu correm Eu também quero correr ∫ *T 00:56:09:29 ∫ A estrela atrás da lua E eu atrás do meu tiê ∫ *T 00:56:15:05 [Jorge Coutinho] Era Clementina, Cartola, Nelson Cavaquinho, *T 00:56:17:27 dona Ivone, Baianinho, *T 00:56:19:17 mas a estrela mesmo nesse time formado *T 00:56:23:12 era Clementina, *T 00:56:25:00 e todo mundo tinha muito respeito assim *T 00:56:27:29 pela Clementina, né? *T 00:56:29:26 Eu gravei um disco com Aniceto, *T 00:56:34:02 com o mestre Aniceto *T 00:56:35:04 e o Aniceto implica com todo mundo, implica, *T 00:56:38:26 todo mundo tem medo dele, acha que ele é feiticeiro, *T 00:56:41:12 era feiticeiro, uma coisa dessa. *T 00:56:43:21 E quando eu fui gravar o disco, eu digo: *T 00:56:46:02 Bom, Aniceto brigou com Martinho, *T 00:56:48:11 Aniceto brigou com todo mundo. *T 00:56:49:28 Com a Clementina, ele: "Pois não, madame. *T 00:56:52:10 Chegou a sua vez, vamos gravar". *T 00:56:55:11 Digo, Aniceto não brigava com a Clementina. *T 00:56:57:11 Eu me lembro que as pessoas chegavam *T 00:56:59:14 e a gente convidava as pessoas: *T 00:57:01:08 "Clara, quer ir lá cantar no Teatro Opinião?". *T 00:57:03:23 "Vou, sim, mas eu só vou cantar... *T 00:57:06:03 Eu não vou cantar depois da Clementina não, né?". *T 00:57:08:06 Eu digo: "Não, tem um intervalozinho e aí para". *T 00:57:11:01 Porque ela deixava o Teatro lá em cima, *T 00:57:14:21 Clementina e o Xangô, tinha um negócio. *T 00:57:17:04 Terminava o público todo de pé, uma total zorra. *T 00:57:22:15 Olha, esse sapato aqui, *T 00:57:25:01 ele é da bela Clementina de Jesus. *T 00:57:28:10 O João das Neves, que foi um dos diretores do Teatro, *T 00:57:33:02 autor do "O Último Trem", *T 00:57:35:25 ele ficou com outro e eu peguei esse. *T 00:57:38:21 Mas aqui dentro tinha um roteiro da Clementina, *T 00:57:41:16 que ela fazia. *T 00:57:42:12 Ela, com a letrinha dela, ela que fazia o roteiro. *T 00:57:44:14 Ninguém fazia o roteiro da Clementina, *T 00:57:46:17 o que ela queria cantar, ela cantava. *T 00:57:48:18 Não tinha esse negócio de... "Clementina?". *T 00:57:50:18 Não, ela cantava o que ela quisesse. *T 00:57:52:10 "Eu quero cantar isso". "Canta". *T 00:57:53:23 Ela botou, aí eu botei aqui junto com a sandália, *T 00:57:57:22 mas eu emprestei e dancei, *T 00:57:59:28 sumiu o roteiro da Clementina. *T 00:58:02:03 A letrinha da Clementina. *T 00:58:04:02 Mas o sapatinho está aqui, meio acabadinho, sandália. *T 00:58:08:05 Sandália de bamba. *T 00:58:13:09 [Homem] Você recebeu o convite do Itamaraty *T 00:58:14:28 para ir para África? *T 00:58:15:19 [Clementina] Foi. Eu disse "Peraí". *T 00:58:17:01 Que esse filho me telefonou e disse: *T 00:58:18:07 "Minha mãe, senta para não cair. *T 00:58:20:15 "Você foi escolhida pelo Itamaraty *T 00:58:22:07 para ir representar a arte negra, em Dakar". *T 00:58:24:00 Aí eu perguntei para ele: "Como é que eu vou? *T 00:58:25:23 Vou de ônibus? De ônibus ou de navio?". *T 00:58:27:21 Ele falou assim: *T 00:58:28:07 "Navio o quê, minha mãe! A senhora vai de avião". *T 00:58:30:04 "Ai, não, não faça isso que eu não vou". *T 00:58:32:25 [Homem] Tinha medo de avião? *T 00:58:33:26 [Clementina] Tinha, mas perdi o medo quando eu fui para Dakar. *T 00:58:36:25 ∫ *T 00:58:46:15 ∫ Taratá crioula de taratá ∫ *T 00:58:50:01 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 00:58:53:18 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 00:58:56:18 ∫ Ôh terra que tem minhoca e eu gostar de cavucar ∫ *T 00:59:01:00 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 00:59:04:16 ∫ Ôh de cavucar mas para depois parantar ∫ *T 00:59:08:07 ∫ Ôh parantar crioula de parantar ∫ *T 00:59:11:08 ∫ Ôh terra que tem minhoca e eu gostar de cavucar ∫ *T 00:59:15:16 ∫ De cavucar crioula de cavucar ∫ *T 00:59:17:20 [Elton Medeiros] Nós fizemos o Festival da Arte Negra. *T 00:59:20:19 O Festival de Arte Negra foi em Dakar, Senegal. *T 00:59:26:06 Eu, Paulinho. *T 00:59:28:14 Paulinho de Ogum, eu de Rumpi, *T 00:59:31:02 e a Clementina cantado e o Albino batendo palma. *T 00:59:35:28 [Palmas] *T 00:59:40:08 Fazendo palma, ritmo na mão. *T 00:59:43:24 Você imagina, por exemplo, *T 00:59:45:29 um festival só de música de negros. *T 00:59:53:00 Uma coisa fantástica! *T 00:59:55:09 [Clementina] Eu fui chamada três vezes em cena. *T 00:59:58:22 Duas eu cantei, mas na terceira vez *T 01:00:00:13 o professor Mozart de Araújo disse: *T 01:00:03:18 "Agora você não canta mais, vai lá apenas agradecer". *T 01:00:06:08 Já estava a plateia toda de pé, *T 01:00:08:12 eu fui lá apenas agradecer e não cantei mais, *T 01:00:11:14 só sapateei um cadinhozinho assim e saí. *T 01:00:13:28 [Homem] Houve dois espetáculos, *T 01:00:14:23 o espetáculo no teatro e o espetáculo no estádio. *T 01:00:17:03 O espetáculo popular foi um sucesso incrível, *T 01:00:20:24 aquele foi realmente o maior sucesso de todo o Festival, *T 01:00:22:24 tanto que o público saltou da arquibancada *T 01:00:25:00 e entrou no estádio para agarrar Clementina, sabe? *T 01:00:28:18 Segurar Clementina. *T 01:00:29:22 E a Clementina vinha nas pessoas, sabe? *T 01:00:32:24 Eram nigerianos, franceses, senegaleses, *T 01:00:36:24 gente de todas as raças, todas as línguas, *T 01:00:40:17 e falando tudo, falando as línguas mais incríveis, *T 01:00:43:04 aqueles dialetos mais incríveis, *T 01:00:44:07 e a Clementina agradecendo assim: *T 01:00:45:28 "Muito obrigada, meus filhinhos! *T 01:00:46:29 "Muito obrigada! *T 01:00:47:25 "Que Nossa Senhora proteja vocês. *T 01:00:50:25 "Quando vocês forem no Rio, *T 01:00:51:24 eu moro lá no Engenho Novo e tal". *T 01:00:53:24 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:00:55:29 ∫ Ôh terra que tem minhoca e eu gostar de cavucar ∫ *T 01:01:00:13 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:03:27 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:07:21 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:10:24 ∫ Terra que não tem dono eu gostar de taratá ∫ *T 01:01:15:01 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:01:18:22 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:01:22:11 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:01:25:08 ∫ Terra que não tem dono eu gostar de taratá ∫ *T 01:01:29:14 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:01:32:28 ∫ Terra que tem minhoca, eu gostar de cavucar ∫ *T 01:01:36:28 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:40:03 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:43:22 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:47:10 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:51:07 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:55:01 ∫ Ôh de cavucar crioula de cavucar ∫ *T 01:01:58:11 ∫ Terra que não tem dono eu gostar de taratá ∫ *T 01:02:02:04 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:02:05:25 ∫ Ôh de taratá crioula de taratá ∫ *T 01:02:16:00 [Mãe Tetê] Os meus avôs, tataravôs vieram quase tudo da África. *T 01:02:21:04 Os bisavôs da minha mãe não falavam português, *T 01:02:25:24 veio da África. *T 01:02:27:17 A que ficou lá em casa, que a mamãe tomou conta, *T 01:02:31:00 era da África. *T 01:02:33:06 O meu bisavô por parte de pai veio da África, *T 01:02:37:08 eles "tudo". *T 01:02:38:07 Agora, a umbanda como nasceu aqui, *T 01:02:40:18 eu não sei explicar *T 01:02:43:15 como é que formou o terreiro. *T 01:02:46:05 Então é uma coisa que a gente não sabe *T 01:02:48:13 se nasceu aqui ou se veio da África, *T 01:02:52:03 mas mais para a gente, nasceu aqui. *T 01:03:00:08 [Alcione] Eu gosto muito da umbanda, *T 01:03:02:06 gosto muito do povo da encantaria, *T 01:03:05:14 como seu Tupinambá. *T 01:03:14:04 Eu que sou neta e bisneta de escravo, *T 01:03:17:17 a gente tem um conversar de muito antes, não é? *T 01:03:23:09 Dona Clementina, eu via nela essas pessoas, *T 01:03:26:14 como vovó Marcela, meu avô Barnabé. *T 01:03:37:23 [Alcione] Ela gostava de conversar comigo, ela gostava. *T 01:03:40:18 Sempre gostou, porque ela me tinha como uma pessoa dela. *T 01:03:43:21 Eu lembro da minha família, dos meus avós, bisavós, *T 01:03:47:17 é um povo parecido com ela. *T 01:03:50:11 A força dela estava nela. *T 01:03:52:22 Quando ela falava, você sentia a força. *T 01:03:55:14 A presença de dona Clementina, *T 01:03:57:18 a presença era uma força. *T 01:04:00:16 Quando ela chegava, *T 01:04:02:07 parecia que acendia uma luz no lugar, *T 01:04:05:09 é assim que eu meço a força das pessoas. *T 01:04:08:23 Ela era assim, tinha essa força. *T 01:04:12:02 E há de estar com essa força até hoje e feliz, *T 01:04:14:06 agora que a gente está falando dela, *T 01:04:15:16 você não viu que o beija-flor *T 01:04:16:27 ficou em cima da sua cabeça? É assim. *T 01:04:20:20 Olha o vento. *T 01:04:29:13 [Canto afro] *T 01:05:14:27 [Ruídos da natureza] *T 01:05:57:28 [Elton Medeiros] A Clementina benzia, *T 01:06:00:16 ela dava passe, entendeu? *T 01:06:03:23 Ela rezava umas orações *T 01:06:06:22 que eram vindas da igreja católica, *T 01:06:13:18 mas era uma mistura de catolicismo com umbanda. *T 01:06:19:11 A Clementina quando disse... *T 01:06:23:02 [Canto afro] *T 01:06:38:24 Eu rufei, *T 01:06:40:25 o Paulinho respondeu e a Clementina disse. *T 01:06:45:05 [Saudação afro] *T 01:06:57:03 A mulher que estava sentada na cadeira *T 01:07:01:26 defronte ao lugar onde eu estava, *T 01:07:04:26 ela recebeu lá um santo. *T 01:07:08:03 A pessoa recebeu um espírito de entidade. *T 01:07:10:14 Não me lembro se foi uma... Foi uma moça, uma senhora. *T 01:07:16:02 Naturalmente, mexeu com os anjos dela e ela... *T 01:07:25:13 E recebeu lá o seu caboclo. *T 01:07:27:12 [Mulher] Em quê que você acredita, Clementina? *T 01:07:30:17 No Pai criador. *T 01:07:32:25 [Mulher] Qual é a sua religião? *T 01:07:34:16 Sou católica, misseira. *T 01:07:39:09 [Mulher] E a umbanda? *T 01:07:40:25 Não, umbanda cada um cuida... *T 01:07:42:10 Umbanda eu respeito muito, mas não frequento. *T 01:07:45:03 Respeito muito mesmo. *T 01:07:47:00 Talvez quem é de lá do negócio não respeite *T 01:07:49:18 tanto quanto eu respeito, mas agora, não creio. *T 01:07:53:04 A vovó era Católica Apostólica Romana. *T 01:07:55:19 [Janaina de Jesus] Assim ela dizia. *T 01:07:57:11 Católica Apostólica Romana. *T 01:07:59:16 Sou Católica Apostólica Romana, entendeu? *T 01:08:03:24 Mas esse negócio de rezar, *T 01:08:05:10 eu acho que é dos descendentes lá atrás, *T 01:08:08:22 que todo mundo foi escravo, *T 01:08:11:10 aí puxando aquilo lá de trás. *T 01:08:14:10 [Janaina de Jesus] Porque ela foi feita na Linha das Almas. *T 01:08:16:28 [Vera de Jesus] Essa questão do centro foi essa, *T 01:08:18:26 ela começou nisso, não é, Janaina? *T 01:08:20:15 [Janaina de Jesus] Na Linha das Almas. *T 01:08:21:19 Inclusive, ela tinha uma, *T 01:08:22:25 não era uma tatuagem, mas era uma figa, *T 01:08:24:20 o desenho de uma mão com uma figa no meio dos seios. *T 01:08:26:22 É tipo que foi feito a ferro quente. *T 01:08:29:13 A ferro quente, entendeu? *T 01:08:30:28 Então o corpo dela era fechado. *T 01:08:34:17 O corpo dela era fechado, ela dizia que era fechado. *T 01:08:36:12 Tanto que a gente via, assim, no meio do seio dela. *T 01:08:39:01 Era uma mão assim fechada no meio do seio dela. *T 01:08:41:08 Ela foi queimada a ferro quente *T 01:08:43:02 assim no meio dos seios dela. *T 01:08:46:08 [Clementina] Isto é porque onde eu fui morar *T 01:08:48:14 era perto de um terreiro *T 01:08:53:16 e esta senhora deste terreiro *T 01:08:55:18 gostava muito de mim, *T 01:08:58:08 então ela batizou a minha filha mais velha. *T 01:09:02:09 Então, já sabia quando eu cantava aquelas músicas, *T 01:09:04:07 eu gostava muito, eu ia e ajudava, sabe como é? *T 01:09:07:10 Ajudava aquelas coisas bonitas a cantar, ela pedia: *T 01:09:09:26 "Me ajuda, Clementina", então eu ajudava. *T 01:09:12:07 Maria de Neném, em Oswaldo Cruz. *T 01:09:14:03 Mas nunca acreditei. *T 01:09:15:25 Interessante, gostava mas não acreditava naquilo. *T 01:09:18:01 Achava aquilo uma questão de uma coisa insignificante *T 01:09:22:17 que eu via naquele meio, *T 01:09:24:13 dizia: não pode ser uma coisa direita. *T 01:09:27:00 E aí eu cantava porque gostava de cantar, *T 01:09:28:29 porque gosto de cantar, *T 01:09:29:22 porque tinha aquele prazer de cantar, *T 01:09:31:08 mas não que eu acreditasse naquilo, *T 01:09:32:12 não acredito até hoje. Não desfaço. *T 01:09:34:28 Cada um tem a sua linha, suas coisas, *T 01:09:37:01 segue o que quer, o que gosta. *T 01:09:38:12 E eu posso estar aqui, *T 01:09:39:24 a pessoa até receber um santo aqui perto de mim, *T 01:09:42:06 e se eu puder fazer alguma coisa, segurar, *T 01:09:43:24 amparar, qualquer coisa, eu faço, *T 01:09:45:08 mas não tô acreditando naquilo, *T 01:09:46:15 não aguento aquilo. Não dá. *T 01:09:50:05 [Luiz Antonio Simas] No fenômeno da encantaria, a morte física não ocorre *T 01:09:53:19 porque você trabalha com a ideia *T 01:09:55:06 que numa situação limite, ao invés de morrer, *T 01:09:59:01 de perder o corpo físico, aquela pessoa se encantou. *T 01:10:04:01 Então tem muita gente que está viva, *T 01:10:05:18 convive com a gente o tempo todo mas que, *T 01:10:07:10 a rigor, está niquelado, morreu. *T 01:10:09:26 E tem muito morto que está *T 01:10:10:28 baixando nos seus cavalos de santo aí, dando consulta, *T 01:10:13:16 interagindo, falando, dançando, bebendo, *T 01:10:15:25 conversando, e estão vivos pra caramba. *T 01:10:18:01 Então, nesse sentido, *T 01:10:19:10 se a gente está falando de Clementina de Jesus *T 01:10:22:12 num bar, num botequim de Oswaldo Cruz, *T 01:10:25:09 nessa concepção, *T 01:10:26:22 é porque Clementina de Jesus está viva. *T 01:10:29:05 ∫ *T 01:10:34:16 ∫ Eu vi Santa Bárbara no céu ∫ *T 01:10:39:11 ∫ A trovoada roncou lá no mar ∫ *T 01:10:45:08 ∫ Cantarolando ∫ *T 01:11:17:03 ∫ Eu vi Santa Bárbara no céu ∫ *T 01:11:20:03 ∫ A trovoada roncou lá no mar ∫ *T 01:11:24:24 ∫ Cantarolando ∫